Dos poucos realizadores consagrados
norte-americanos a evocar a escola de Stanley Kubrick –onde estão em pauta
filmes corrosivos construídos em torno de análises inquietantes e
antropológicas da condição humana –Paul Thomas Anderson realizou este “O
Mestre” na sequência de um de seus mais louvados trabalhos, o épico “Sangue Negro”.
Algo aproxima os dois: Se “Boogie Nights” e
“Magnólia” eram registros pulsantes e abrangentes de microcosmos definidos por
suas peculiaridades, “Sangue Negro” e “O Mestre” são tratados de observação
moral dedicados a trajetória de um único protagonista –o filme que relaciona
essas duas fases criativas distintas é “Embriagado de Amor”, com Adam Sandler.
Assim, a incorporar as questões levantadas
neste filme, temos Joaquin Phoenix interpretando Freddie Quell, rapaz
combatente na marinha da Segunda Guerra Mundial.
Incapaz de se adequar ao mundo à sua volta
–antes mesmo dos traumas de guerra que o deixaram ainda mais instável –Freddie
passa a singrar algumas cidades americanas colecionando encrencas e confusões;
e a fim de materializar o estado à beira do esquizofrênico de seu protagonista,
o filme de Anderson vai e vem em eventos atuais e pregressos sem maiores
avisos, confundindo a percepção do público.
Em algum momento, Freddie acaba parando no
navio de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman) à caminho de Nova York.
Se Freddie Quell é a figura subjetiva a
narrativa, então Lancaster Dodd é seu elemento central: Envolvente e
carismático, ele revela-se o guia de um culto intrigante e metodicamente
mirabolante e, em última instância, perigoso –e o filme de Anderson até no
improvável que registra nunca se afasta demais da realidade: “O Mestre” é,
pois, fortemente baseado na figura de L. Ron Hubbard, o guru por trás da
Cientologia, uma religião alternativa que tornou-se moda entre celebridades
norte-americanas a partir dos anos 1990.
Dodd abraça Freddie como seu protegido, e
assim, as características em torno do movimento religioso chamado “A Causa”
–nome do primeiro livro escrito e publicado por Dodd –se descortinam para ele.
Dodd crê na conexão com vidas passadas, e na
possibilidade da mente acessar tais ligações através de sessões que misturam
elementos de hipnose, sugestão e psicanálise superficial. Ao lado de Freddie,
um seguidor prontamente ferrenho, Dodd e sua esposa (Amy Adams) vão
arrebanhando novos e engajados adeptos, como Clark (Rami Malek), casado com a
filha de Dodd, e Helen (Laura Dern), nova-iorquina em cuja mansão Dodd e seus
seguidores se instalam indefinidamente.
Eventuais vozes dissonantes do movimento são
caladas com grosseria, truculência e exclusão, como é o caso do jornalista que
aborda Dodd com perguntas constrangedoras e mais tarde recebe uma violenta
visita em seu apartamento de Freddie e Clark, ou da própria Helen que
identifica um erro contraditório no segundo livro de Dodd e acaba enxergando
uma faceta intolerante e irascível que ele normalmente esconde de todos.
“O Mestre”, contudo, se dedica mesmo ao
mergulho algo psicodélico no conceito montado por Lancaster Dodd, que inclui
seus jogos mentais de manipulação, e na relação quase simbiótica deste com
Freddie que nele enxerga uma figura paterna que jamais teve (outro tema que
transcende toda a filmografia de Anderson), enquanto que Dodd o vê, em suas rachaduras
psicológicas inapeláveis, uma cobaia perfeita para suas experiências de
controle psíquico.
Nesse delírio coletivo
capitaneado por tal mente cheia de segundas intenções, Anderson termina por
realizar algo próximo do que fez em seu celebrado “Sangue Negro”: Um retrato
distinto, moralmente circunspecto e cheio de maestria de uma mentalidade
específica a aparecer no seio da América numa determinada hora e lugar –no
caso, os EUA da década de 1950 –e um estudo cheio de propriedade e maneirismos
humanos da maldade, da violência e da sordidez em gestação, por meio de
ideologias atrativas aos corações atormentados como o de Freddie Quell, que
termina o filme do mesmo jeito que começou: Errante num caminho que o devolve
sempre às angústias de seu passado.
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