sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Gandahar - Os Anos de Luz

Diretor do também cultuado “Planeta Fantástico”, o animador René Laloux realizou, nos anos 1980, o experimental, psicodélico e hermético “Gandahar” –tendo ambos servido de inspiração para o épico pós-moderno “Avatar”, de James Cameron.
Herdeiro de certas tendências da contracultura hippie das décadas anteriores, “Gandahar”, realizado a partir do livro escrito por Jean-Pierre Andrevon, é uma ficção científica onde os desdobramentos imaginativos de sua premissa não conhecem limites.
Na cena que introduz o público dentro de seu desconcertante universo, o diretor prescinde de diálogos ou narração para ilustrar a vida imersa numa co-existência harmoniosa com a natureza; todo o comentário parte somente da trilha sonora incidental de Gabriel Yared (de “O Paciente Inglês”). Em Gandahar, as árvores dão frutos que transformam-se nos animais de sua fauna, agricultores e pastores –em geral, alienígenas de pele azul despreocupados com a nudez! –convivem com plantas e animais numa comunhão paradisíaca.
Entretanto, um mistério anuncia a mácula desse lugar sagrado: Rajadas desconhecidas, de um inimigo desconhecido, transformam os cidadãos de Gandahar em pedra!
Com sua população procurando refúgio na capital, Jásper, os governantes lamentam a falta de preparo para a guerra decorrida de anos de tranquilidade e paz.
Sua alternativa é enviar Sylvain, seu mais bem treinado agente, em direção aos inimigos para deles descobrir todo o necessário para derrotá-los.
Sylvain parte e, no caminho, encontra uma legião de Deformados –criaturas originadas de experiências genéticas e repudiadas em Gandahar por seu aspecto disforme, assimétrico e anti-natural (e um bocado parecidos com os indivíduos de “Monstros”, de Todd Browning) –que, apesar de tudo, acabam ajudando-o.
Nada disso impede Sylvain de ser capturado.
Prisioneiro, ele conhece uma ingênua gandahariana, Airelle, com quem aproveita para engatar um romance. Ao lado dela, ele foge seguindo em direção à costa, onde descobre que seus inimigos são hordas de armaduras metálicas negras que, embora vazias, são movimentadas por algum poder superior –a alegoria recorrente na qual os benevolentes adeptos da preservação ecológica são confrontados pelos agentes maquiavélicos e mecanizados da indústria.
Tal poder superior responde pelo nome de Metamorphis, uma espécie de plasma inteligente e consciente que adquire a forma de um cérebro gigante. Ainda que seja líder dos homens de metal, Metamorphis afirma não incitá-los para o ataque a Gandahar, nem almejar sua destruição.
É um oponente infinitamente mais intrigante e enigmático do que em princípio pode parecer: Metamorphis se ressente daquilo que será dentro de mil anos, e por isso, compactua com Sylvain na missão de destruir a si próprio (!). Ele coloca o protagonista dentro de uma cápsula destinada a se abrir mil anos no futuro, quando Metamorphis sabe já ter sido corrompido pelo envelhecimento e pela absorção de corpos inimigos. É quando ele deseja que Sylvain o mate.
Sylvain, por sua vez, quer não somente concluir a desafortunada missão que recebeu, mas também regressar para os braços de Airelle, em algum lugar mil anos no passado, onde Gandahar perdeu a guerra.
Para tanto, há um artefato conhecido como Portal do Tempo, através do qual, se tudo der certo, Sylvain poderá retornar.
Estranho na maioria das vezes, de uma lentidão que reforça suas características muito mais artísticas do que comerciais, “Gandahar” é um ambicioso épico pontuado de metáforas sobre as mazelas da corrupção embutidas na tecnologia, no estrategismo bélico e nas justificativas da segregação, entretanto, o teor filosófico de sua premissa não é inteiramente acessível devido à confusa cronologia de sua viagem temporal e ao registro estranhável de seu mundo alienígena.

Nenhum comentário:

Postar um comentário