Diretor do também cultuado “Planeta
Fantástico”, o animador René Laloux realizou, nos anos 1980, o experimental,
psicodélico e hermético “Gandahar” –tendo ambos servido de inspiração para o
épico pós-moderno “Avatar”, de James Cameron.
Herdeiro de certas tendências da contracultura
hippie das décadas anteriores, “Gandahar”, realizado a partir do livro escrito
por Jean-Pierre Andrevon, é uma ficção científica onde os desdobramentos
imaginativos de sua premissa não conhecem limites.
Na cena que introduz o público dentro de seu
desconcertante universo, o diretor prescinde de diálogos ou narração para
ilustrar a vida imersa numa co-existência harmoniosa com a natureza; todo o
comentário parte somente da trilha sonora incidental de Gabriel Yared (de “O Paciente Inglês”). Em Gandahar, as árvores dão frutos que transformam-se nos
animais de sua fauna, agricultores e pastores –em geral, alienígenas de pele
azul despreocupados com a nudez! –convivem com plantas e animais numa comunhão
paradisíaca.
Entretanto, um mistério anuncia a mácula desse
lugar sagrado: Rajadas desconhecidas, de um inimigo desconhecido, transformam
os cidadãos de Gandahar em pedra!
Com sua população procurando refúgio na
capital, Jásper, os governantes lamentam a falta de preparo para a guerra
decorrida de anos de tranquilidade e paz.
Sua alternativa é enviar Sylvain, seu mais bem
treinado agente, em direção aos inimigos para deles descobrir todo o necessário
para derrotá-los.
Sylvain parte e, no caminho, encontra uma
legião de Deformados –criaturas originadas de experiências genéticas e
repudiadas em Gandahar por seu aspecto disforme, assimétrico e anti-natural (e
um bocado parecidos com os indivíduos de “Monstros”, de Todd Browning) –que,
apesar de tudo, acabam ajudando-o.
Nada disso impede Sylvain de ser capturado.
Prisioneiro, ele conhece uma ingênua
gandahariana, Airelle, com quem aproveita para engatar um romance. Ao lado
dela, ele foge seguindo em direção à costa, onde descobre que seus inimigos são
hordas de armaduras metálicas negras que, embora vazias, são movimentadas por
algum poder superior –a alegoria recorrente na qual os benevolentes adeptos da
preservação ecológica são confrontados pelos agentes maquiavélicos e mecanizados
da indústria.
Tal poder superior responde pelo nome de
Metamorphis, uma espécie de plasma inteligente e consciente que adquire a forma
de um cérebro gigante. Ainda que seja líder dos homens de metal, Metamorphis
afirma não incitá-los para o ataque a Gandahar, nem almejar sua destruição.
É um oponente infinitamente mais intrigante e
enigmático do que em princípio pode parecer: Metamorphis se ressente daquilo
que será dentro de mil anos, e por isso, compactua com Sylvain na missão de
destruir a si próprio (!). Ele coloca o protagonista dentro de uma cápsula
destinada a se abrir mil anos no futuro, quando Metamorphis sabe já ter sido
corrompido pelo envelhecimento e pela absorção de corpos inimigos. É quando ele
deseja que Sylvain o mate.
Sylvain, por sua vez, quer não somente concluir
a desafortunada missão que recebeu, mas também regressar para os braços de
Airelle, em algum lugar mil anos no passado, onde Gandahar perdeu a guerra.
Para tanto, há um artefato conhecido como
Portal do Tempo, através do qual, se tudo der certo, Sylvain poderá retornar.
Estranho na maioria das
vezes, de uma lentidão que reforça suas características muito mais artísticas
do que comerciais, “Gandahar” é um ambicioso épico pontuado de metáforas sobre
as mazelas da corrupção embutidas na tecnologia, no estrategismo bélico e nas
justificativas da segregação, entretanto, o teor filosófico de sua premissa não
é inteiramente acessível devido à confusa cronologia de sua viagem temporal e
ao registro estranhável de seu mundo alienígena.
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