quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Os Embalos de Sábado À Noite


 Para toda uma geração, John Travolta não é lembrado como Vincent Veja (de “Pulp Fiction”), nem como Vinnie Barbarino (um dos astros do seriado “Welcome Back, Kotter”, antes deste filme) e muito menos como o taxista James (de “Olha Quem Está Falando”), mas como Tony Manero, o rapaz proletário de subúrbio norte-americano no clássico “Os Embalos de Sábado À Noite”.

No papel que catapultou-o ao estrelato –e que lhe deu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator, perdendo para Richard Dreyfuss, por “A Garota do Adeus” –Travolta é convicto, viril, carismático e vulnerável, características que servem adequadamente ao senso de observação proposto pelo diretor John Badham, neste que é uma das realização mais cinematográficas no sentido artístico de toda sua carreira; a partir dos anos 1980, Badham tornou-se um diretor de orientação essencialmente comercial, dirigindo trabalhos sob encomenda absolutamente destituídos de estilo identificável, ou de intenções mais profundas e subliminares.

Aqui, contudo, nota-se sua predisposição para reduzir à essência as angústias que rondam seu protagonista.

Tony mora no Brooklyn, com mãe, pai, irmã e avó –tem também um irmão ordenado padre que, lá pelas tantas abandona a batina e volta a morar com eles.

Ele trabalha numa loja de tintas para ter seu sustento e, nos fins de semana, extraza as animosidades da juventude (a raiva acumulada pelos conflitos eventuais; a tensão sexual inerente à idade) nas pistas de dança da discoteca local.

Lá, Tony Manero é um astro –e, no fulgor genuíno que Travolta ostenta nas sequências de dança, esse é um dado do qual o público não duvida um único segundo.

Entretanto, Tony, assim como seus truculentos amigos, está longe de ser perfeito: Quando não fascina as mulheres com seu gingado na pista, ele às submete à grosserias ultrajantes –um comportamento machista ao extremo (para não dizer misógino) que surge na narrativa menos como uma postura crítica e mais como perfumaria; parece haver certa condescendência em reconhecer aquilo como algo corriqueiro e não como o repúdio que soa gritante aos expectadores de hoje.

Habituado à conquistar os sucessivos concursos de dança que são realizados por lá, Tony planeja arrumar para si a melhor parceira possível –em detrimento de sua leal e excessivamente servil companheira, a apaixonada Annette (Donna Pescow) –e isso o leva a arrastar asa para cima da bailarina Stephanie (Karen Lynn Gorney).

Stephanie, porém, não é (ou assim não se considera) uma garota do meio à que Tony está habituado: Quando não estão ensaiando, ela abre a boca para vangloriar-se de seu trabalho em Manhatan, das pessoas famosas que conhece e do quanto isso tudo pavimenta um caminho que deverá levá-la à glória.

Quando, vez ou outra, Tony identifica (e ironiza) a falta de sinceridade em suas bravatas, Stephanie o ataca com a verdade: De que, sendo ele filho do subúrbio, seu destino é envelhecer trabalhando na mesma lojinha; conviver com os mesmos amigos; frequentar sempre os mesmos lugares; ser, enfim, medíocre.

Paralelo à isso –e à uma certa conscientização da parte de Tony –outros pequenos dramas se afunilam: O irmão de Tony em conflito com a culpa por largar o sacerdócio; o amigo que engravidou a namorada e, por medo, será pressionado a um casamento que não quer; as rusgas cheias de imaturidade e violência entre eles (descendentes de italianos) e os rapazes descendentes de latinos; e os esforços vazios (e, no final das contas, trágicos) de Annette tentar chamar Tony à importar-se com ela.

Todos esses tópicos, acrescidos da relação nada fácil com Stephanie, levaram Tony a compreender que, o passo principal e primeiro para encontrar um caminho melhor, é desenvolver a empatia que seus velhos amigos tomam como uma fraqueza.

O fato de ser realizado nos anos 1970, confere à “Os Embalos de Sábado À Noite” muitas facetas que vão além de seu formidável repertório musical (com várias canções famosas dos “Bee Gees”), como o panorama em relevo, textura e circunstância que ele evoca da juventude norte-americana de então, assolada por uma falta de fé crônica (daí a sub-trama do irmão) graças ao Vietnam e à Watergate, e dividida entre os aborrecimentos de uma realidade sórdida e uma quase ritualística necessidade de fuga por meio da diversão; analogia para a qual o protagonista Tony Manero é uma personificação perfeita.

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