sexta-feira, 9 de abril de 2021

A Felicidade dos Katakuri


 O diretor Takashi Miike adentra esta obra estranha com o mesmo entusiasmo que ele reservou aos seus mais ecléticos e bizarros projetos. O convencional nem um pouco interessa à Miike; ele prefere explorar as fusões improváveis e até desconcertantes para delas extrair o cobiçado diamante da originalidade, nem que para isso, até chegar lá, muita coisa non-sense e grotesca seja produzida.

E “A Felicidade dos Katakuri” é, acima de tudo, isso: Sem noção e grotesco; uma comédia de humor negro, meio terror, meio musical (!), pontuada em algumas de suas passagens (provavelmente aquelas que exigiriam mais do baixo orçamento da produção) por uma desmazelada animação stop-motion.

A Família Katakuri é formada pelo pai (Kenji Sawada, de “Mishima-Uma Vida Em Quatro Tempos”), pela mãe (Keiko Matsuzaka, de “Cão Danado”), e pelo avô (Tetsurô Tamba, de “O Samurai do Entardecer”), além dos filhos Masayuki (Shinji Takeda, de “Tabu”) e Shizue (Naomi Nishida), cuja filhinha Yurie (Tamaki Miyazaki), é também a inocente narradora desta abilolada história.

Sonhador, o patriarca adquire uma pousada com intenções empreendedoras: As obras de uma vindoura rodovia indicam que a estrada passará pela residência tornando-a um ponto importante para viajantes pernoitar. Mas, os atrasos das obras mergulham os Katakuri num marasmo de frustração e ócio, enquanto se ocupam de implicar uns com os outros.

Quando os hóspedes finalmente começam a aparecer, a boa-venturança não tarda a converter-se em encrenca: O primeiro é um suicida que termina virando cadáver pelas próprias mãos dentro do quarto alugado; e a saída dos Katakuri, temendo a má publicidade da notícia de um suicídio em sua pousada, é ocultar o corpo morto (!).

O segundo hóspede, um famoso lutador de sumô e sua namorada adolescente (!!), tem destino igualmente fatídico: Ele morre de tanto fazer sexo (!!) tendo, inclusive, esmagado a garota na cama (!!!). E assim, lá vão os Katakuri enterrar mais alguns defuntos!

Equilibrando essa sucessão de absurdos (os quais não param por aí!) com ocasional e indisfarçável propensão ao mau gosto, Takashi Miike pontua o avanço dessa narrativa tão mórbida quanto avacalhada com números musicais, os quais refletem, inclusive, o desleixo acarretado aos atores/personagens que desafinam na hora de cantar e se atrapalham na hora de dançar –é como se Miike deixasse que a perplexidade desvairada afetasse as sequências musicais, afinal, as músicas aparecem sempre nos piores momentos: Quanto um corpo morto é descoberto; quando o pretendente de Shizue, um falsário cujas mentiras são óbvias para todos menos para ela, declama suas inconvenientes intenções ‘românticas’ a cantar em um lixão (!); no instante em que os cadáveres enterrados emergem da terra, putrefatos;  no momento em que todos, indignados, já pensam em entregar-se à polícia, e assim por diante –nenhuma dessas deixas corresponde aos momentos usuais, de musicais usuais, em que as canções normalmente seriam introduzidas.

O resultado de tudo isso certamente é inusitado e, embora não ofereça o choque visual de outras obras de Miike, conserva ainda seus extremismos: Pois a premissa, como dito acima, não se satisfaz com o inacreditável de sua situação inicial, e tudo se torna ainda mais absurdo e ultrajante; até mesmo um vulcão (!), em dado momento, eclode na vizinhança dos Katakuri.

Entretanto, tão intenso é o mergulho de Takashi Miike na composição dessa obra desigual e, por que não, única que ele esqueceu de ressaltar algo que se sobressai em seus melhores trabalhos: A qualidade.

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