terça-feira, 14 de março de 2017

O Samurai do Entardecer

Há um considerável risco do maravilhoso filme do diretor Yoji Yamada aborrecer aqueles expectadores que estiverem ávidos por um filme pontuado por lutas de espadas (aqui elas existem, porém, definidas e específicas, cada uma delas conta) e por uma narrativa que enalteça a bravura, a valentia, à exemplo dos filmes de faroeste.
O diretor faz uma escolha decisiva ao evidenciar a extraordinária bravura de seu protagonista através das minúcias mundanas de seu drama doméstico: Dedicado à suas duas filhas pequenas e à sua mãe cada vez mais senil desde que ficou viúvo, o samurai Seibei, por seu compromisso familiar rígido, recebeu o apelido dos companheiros de trabalho de “Seibei Entardecer” –quando o sol se põe, ele ruma direto para casa, ao contrário dos demais, que têm por destino a taverna local.
A presença de uma esposa faz falta na vida de Seibei (interpretado com primor por Hiroyuki Sanada no papel que o tornou um astro internacional): Suas roupas, tais como ele próprio, se encontram em situação de miséria, e as condições dentro de casa, sobretudo quando à limpeza a alimentação não estão muito melhores sem uma dona da casa que harmonize as tarefas. Essa atividade, somada ao trabalho junto ao clã, sobrecarrega Seibei.
Parece ser então providencial que a bela Tomoe (Rie Myiazawa, cativante), irmã de um grande amigo de Seibei, e grande amor deste na juventude, tenha se separado do marido após um matrimônio infernal e violento.
É providencial, mas a providência tem, também, algo de cruel: Pesa em Seibei a possibilidade de condenar Tomoe a uma vida sem luxos que ele, como humilde samurai, é incapaz de proporcionar.
Yoji Yamada faz uso de sua capacidade primorosa em ressaltar o drama em suas mais variadas sutilezas para entregar um dos mais aclamados filmes de samurai das últimas duas décadas (embora eu ainda prefira o magistral “A Última Espada”, de Yojiro Takita).
Não é para menos: Seu trabalho enfatiza os percalços humanos sobrepostos ao código milenar de honra samurai e às lutas inevitáveis de espadas que se seguem –ainda assim, devido à esse suporte dramático poderoso, tais lutas, quando surgem em cena, ganham em peso, importância e significado emocional junto ao público.
Brilhante.
É o primeiro filme de uma consagrada trilogia que Yoji Yamada entregou anos mais tarde, e que sempre abordava a trama e suas ramificações sentimentais a partir das privações experimentadas por samurais de segundo escalão, ausentes de glamour –pode ser chamada de “A Trilogia dos Samurais Pobres”.

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