Menos uma biografia e mais uma investigação –tal é o teor contraditório e desafiador de seu protagonista –o filme de Paul Schrader, produzido por Francis Ford Coppola e George Lucas aborda a vida do escritor Yukio Mishima (Ken Ogata, de “Os Últimos Samurais”, “A Balada de Narayama” e “Honra de Samurai”) num esforço transparente para justapor suas mais profundas inquietações. Para tanto, Schrader (também co-autor do melindroso roteiro) estabelece um formato desigual a sua obra: Ele a divide em quatro específicos capítulos (“Beleza”, “Arte”, “Ação” e “Harmonia Entre Caneta e Espada”).
A partir disso, em passagens filmadas em preto
& branco, Yukio Mishima é desvendado desde a infância no início do Século
XX, quando recebeu uma criação peculiar e afetivamente desonesta de sua avó
(Haruko Kato), passando pela adolescência, e a descoberta do poder das
palavras, em paralelo à conscientização do envolvente código moral na cultura
ancestral japonesa, seguindo rumo à juventude, quando viu-se existencialmente
dividido entre o ímpeto de ostentar (quando tentou servir na Segunda Guerra
Mundial) a bravura irrestrita de um samurai frustrado, e a própria covardia
muito humana que ocasionalmente lhe acometia.
A vida adulta lhe reserva a chegada da
aclamação literária, de uma insatisfação crônica acarretada por um narcisismo
injustificado, da gradual compreensão da própria homossexualidade (o que
curiosamente aproxima Mishima ainda mais da postura samurai, visto o retratado
pintado por Nagisa Oshima em “Tabu”) e da verve apaixonada e patriota que ganha
ares cada vez mais revolucionários.
Nesse ínterim, esses quatro capítulos são
preenchidos por dramatizações de três de seus romances –“O Templo do Pavilhão
Dourado” (dois jovens alunos de um colégio militar, um gago, outro manco,
procuram em vão uma comunhão harmoniosa com o sexo oposto, enquanto o primeiro
é assombrado pela visão de um templo local); “A Casa de Kyoko” (um rapaz
desprendido, disposto a livrar a mãe de dívidas comprometedoras com uma mulher
mafiosa entrega-se a ela e aos flagelos imprevisíveis de seus instintos
sado-masoquistas); e “Cavalo Selvagem” (grupo de cadetes deseja resgatar a
honra samurai perdida no tempo ao executar um plano subversivo seguido da
realização de um ritual de harakiri)
–em encenações carregadas de artificialidade (cuja recriação cênica aproxima
“Mishima” de um incontornável viés de filme de arte, nos moldes das realizações
de Peter Greenaway), onde os desdobramentos da ficção muitas vezes dialogam com
a concepção íntima do personagem principal.
Essas três dramatizações são apresentadas em
cores fortes e vívidas, em franco contraste com o preto & branco que
registra a vida de seu autor; curiosamente, também adornada de cores (desta
vez, despida dos exageros cromáticos da ficção, mas livre da interiorização
monocromática das outras passagens) é a sequência em que Mishima, no dia 25 de
novembro de 1970, junto de quatro cadetes de seu exército pessoal (a Sociedade
do Escudo) invadem o Quartel-General do Exército do Leste para raptar o
comandante e (na concepção já um tanto fanática do escritor) tentar conciliar
arte e ação.
Dois são os momentos de iluminação que ocorrem
a Mishima, e nos quais ele se dá conta do propósito a ele reservado: Quando, já
tornado célebre e reconhecido como o mais importante escritor japonês (título
outorgado a ele sem muita unanimidade), Mishima realiza uma viagem à Grécia,
onde adquire uma perspectiva dotada de mais clareza do que julgava ser os
ideais necessários ao Japão moderno; e, quando vivencia pela primeira vez um
voo a bordo de um caça aéreo, e a visão transcendental do firmamento lhe dá
convicção para realizar o atentado do qual o filme se incumbe em seu trecho
derradeiro.
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