Na Trilogia Samurai engendrada pelo diretor
Yoji Yamada –cujas primeira e segunda parte são “O Samurai do Entardecer” e “A Espada Oculta” –importa menos os embates físicos do que os dramas cotidianos
enfrentados por seus heróis, sempre colocados diante de circunstâncias
socialmente adversas.
Na terceira e última parte, “Honra de Samurai”,
essa característica é considerada de tal forma radical que o trabalho de
Yamada, mais até do que nos exemplares anteriores, quase deixa de ser um filme
de samurai para consolidar-se como um drama de época; nenhuma espada sequer é
brandida até o desfecho transcorrido em sua meia-hora final.
O jovem samurai Shinnojo (Takuya Kimura)
confidencia com sua devotada esposa Kayo (Rei Dan) sua insatisfação com a
função designada: Shinnojo é um provador de comida oficial do senhor feudal, ou
seja, tudo que tem a fazer é experimentar a comida de seu senhor para
assegurar-se que não está envenenada.
Não lhe restam assim oportunidades para
demonstrar bravura.
Contudo, um infortúnio acomete Shinnojo quando
ele experimenta, não uma comida envenenada, mas um fruto do mar preparado
inadvertidamente; iguaria que, segundo o médico, cozinhada fora de época
resulta tóxica.
Como seria seu dever, Shinnojo salva seu senhor
da intoxicação, mas acaba severamente adoecido. Em casa, sua recuperação é
lenta e dolorosa, e quando ocorre não vem desprovida de sequelas: Shinnojo fica
cego, num efeito até bastante comum para aquele fruto do mar.
Assim, seus personagens principais, o casal
Shinnojo e Kayo são confrontados com as carências que o diretor Yamada parece
tão interessado em impor aos seus heróis: Além da angústia de perder sua
utilidade como samurai, Shinnojo precisa testemunhar, impotente, o padrão de
vida que oferecia à Kayo despencar.
Familiares se reúnem para tentar encontrar uma
solução e a única que parece fazer sentido é insistir para que Kayo peça ajuda
ao Conselheiro-Chefe Shimada (Mitsugoro Bando, de “Mishima-Uma Vida Em Quatro
Tempos”), intervindo junto ao senhor feudal para considerar os serviços
prestados por Shinnojo.
A decisão de manter o salário de Shinnojo até o
fim da vida chega, mas, o alívio à casa de Shinnojo não vem com ela: Logo,
boatos alcançam seus ouvidos dando conta de que Kayo, outrora virtuosa e
incorruptível, fora vista frequentando uma mal-falada casa de chá.
O responsável por tudo é o próprio Conselheiro
Shimada, vilão detestável, sórdido e dissimulado que, ao denegrir o casamento
de Shinnojo, compromete também sua honra. E, no código sempre irrestrito dos
samurais, a honra manchada não pode ser deixada de lado enquanto não for lavada
com sangue.
A tensão que precede o duelo final –elemento
que Yamada trabalha e evidencia com muito mais interesse do que o combate
propriamente dito –é assim potencializada pelo fato do protagonista ser cego:
“Honra de Samurai” no registro dos percalços físicos (e bastante plausíveis) da
falta de visão, passa longe da ação mirabolante vista e aplaudida nas lendárias
aventuras de “Zatoichi”; e é esse mesmo seu objetivo: Tão mais aflitivo é seu
embate derradeiro justamente por sabermos que seu diretor não haverá de ceder
facilmente ao improvável em função de um final feliz.
Assim, a chamada “Trilogia
dos Samurais Pobres” se encerra num capítulo tão notável e intensamente
dramático quanto aqueles que o antecederam,
servindo de testemunho à retidão moral e à tenacidade técnica e
artística de seu realizador.
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