quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Entre Quatro Paredes


 Certos filmes independentes acabam superestimados diante do fato de que, de um certo tempo em diante, a Academia de Artes Cinematográficas passou a nomear, ano após ano, um representante, assim digamos, da parcela independente da produção cinematográfica norte-americana. Em 2002, quis o destino que esse representante fosse o dramático (quase melodramático!), árido e comiserativo “Entre Quatro Paredes” –a despeito da originalidade e da audácia narrativa de “Amnésia”, daquele mesmo ano.

“Entre Quatro Paredes” é sobre a família Fowler; sobre o pai, Matt (Tom Wilkinson), a mãe Ruth (Sissy Spacek), e o filho Frank (Nick Stahl, de “O Exterminador do Futuro 3-A Ascensão das Máquinas”); e é, de certa forma, sobre o romance deste com Natalie Strout (Marisa Tomei), uma sensual mulher madura. Dirigido pelo ator Todd Fields (participou de “Twister” e “De Olhos Bem Fechados”), “Entre Quatro Paredes” entrega de pronto essa procedência ao focar sua condução na postura de seu elenco, a ignorar, no processo, todo o resto: Ritmo, atmosfera, até mesmo uma certa lógica interna.

A primeira parte incumbe-se de um registro corriqueiro, de obstinada veracidade, da rotina do dia-a-dia suburbano: São almoços, churrascos de domingo, ou meras situações prosaicas capturadas com uma certa referência (involuntária ou não) ao cinema do britânico Mike Leigh: O indivíduo absolutamente comum tornado central em uma narrativa que o enaltece.

As dinâmicas obtidas aí –o pai a assimilar, orgulhoso, o romance do filho com uma mulher mais velha; a mãe dividida entre o amor ainda apegado ao filho e a presença dessa nova mulher cheia de bagagens e histórias imprevistas trazidas para a simplicidade de seu núcleo familiar; a até mesmo a atração velada do próprio pai por essa nova namorada do filho –não se mantêm por muito tempo. Logo, o filme agrega elementos ásperos de tragédia.

Ex-marido de Natalie, o violento Richard (William Mapother, de “A Outra Terra”) num surto de cólera mata Frank! Contudo, filho de ricaços locais, ele não aparenta, nos dias que se seguem, receber punição por seu ato –Ruth se vê obrigada a vê-lo alegremente bebendo na rua com os amigos, todos os dias. Os efeitos de indignação, luto e expectativa por alguma justiça (venha ela de onde vir) passam a ser assim explorados pelo roteiro, pela direção e pelas atuações nesse casal de protagonistas.

Dessa forma, “Entre Quatro Paredes” faz da lentidão sua fonte de suspense, e a referência que o norteia quando já está a adentrar seu trecho final é, assim “Desejo de Matar”, com Charles Bronson, evocando de modo muito mais árduo e psicologicamente denso a trajetória do pai de família levado a praticar justiça com as próprias mãos.

É pena que, nesse contraste deliberado que o filme trabalha entre os blocos distintos que compõem seu todo, o filme de Todd Fields é menos imprevisível e inesperado, e mais incoerente e inconstante; características que, a despeito do trabalho majestoso de seu elenco (certamente, sua grande força) não o fazem corresponder ao enaltecimento prestado pela Academia no Oscar 2002, do qual, não à toa, ele saiu de mãos abanando.

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