A continuação do filme singelo, incisivo e eficiente de Sylvester Stallone de 1982 –e cujo argumento, em sua sólida unidade, deixava pouca margem para uma continuação de fato –lançada em 1985, encontrou seu astro, numa fase já diferente de sua carreira, encontrou também uma plateia (em especial, a norte-americana) com uma mentalidade distinta e, por fim, encontrou, na década de 1980, uma percepção de se fazer e consumir cinema que se distinguia da adotada por Ted Kotcheff no primeiro filme. Todos esses fatores levaram “Rambo II-A Missão” a tornar-se uma obra completamente diferente do filme que a originou, estabelecendo, para o bem e para o mal, os conceitos que passaram a definir o personagem, e com os quais foi inserido na cultura pop –e não à toa, é o mais cultuado e influente de toda a série.
Roteirizado por um iniciante James Cameron (já
dando vazão à veia megalomaníaca que o definiria em ambiciosos projetos
vindouros como diretor) e dirigido por George P. Cosmatos, com uma compreensão
intrínseca do cinema de ação pancadaria do período, e bem pouco interessado no
entendimento mais íntimo do personagem exercido por Kotcheff no filme anterior,
“Rambo II” se inicia com John Rambo na penitenciária, a pagar por seus atos
deflagrados no primeiro filme. Nessa situação, ele torna a ser procurado pelo
seu mentor, Coronel Trautman (Richard Crenna), para uma missão na qual somente
sua habilidade será capaz de dar conta: Rambo deve regressar às selvas do
Camboja e tirar fotos dos combatentes norte-americanos ainda mantidos como
prisioneiros pelos vietcongues. Naquela época, o governo Ronald Regan ainda
insistia nos assim chamados M.I.A., Missing
In Action, soldados não declarados como mortos em combate que supostamente
estariam em cárcere no Vietnam
pós-guerra. Ao longo da década de 1980, muitos foram os filmes de ação pauleira
(como “Braddock”) que usaram desse plot,
gerando praticamente um sub-gênero.
Nesse sentido, “Rambo II” é a pedra fundamental
do conceito –se o primeiro filme escancarava demônios pessoais ligados ao
Vietnam presentes no subconsciente da sociedade norte-americana (ainda que a
sutileza passe longe de qualquer postura), este segundo, vai de encontro aos
anseios, vamos dizer assim, dessa mesma sociedade. A Era Reagan foi
caracterizada por um enfrentamento espartano das mazelas americanas por meio de
um ufanismo populista que contaminou sua cultura pop em geral e transformou
Rambo, em particular, numa espécie de garoto-propaganda dessa mentalidade –não
à toa, surgiu até mesmo uma série de desenho animado envolvendo o personagem
(que no cinema, é bom lembrar, tinha características fatalistas e ambíguas,
nada apropriadas a um protagonista infantil!).
Pois então, eis que, no decurso de sua missão,
Rambo não se contenta em tirar as ditas fotos dos prisioneiros que, de fato,
ele encontra presos no Vietnam; Rambo, na verdade, resgata um deles. O
problema: Não era, necessariamente de interesse dos homens no comando da missão
–como Murdock, vivido por Charles Napier, de “O Silêncio dos Inocentes” –que
Rambo voltasse com algo mais do que meras fotos, que podiam ser varridas para
baixo do tapete, caso a ineficiência do governo ficasse evidente. Diante dessas
circunstâncias, Rambo é abandonado e recapturado pelos mesmos vietcongues que
um dia enfrentou. E acaba submetido a novas torturas –nas mãos, inclusive de um
coronel soviético interpretado por Steven Berkoff –até conseguir escapar e,
sozinho, exterminar todo o exército de vietcongues, libertar seus compatriotas
e levá-los de volta para casa, em suma, Rambo ganha a guerra, aos olhos de um
público entretido e satisfeito de pirotecnia, que os EUA, anos antes, não foram
capazes de ganhar.
Essa última sentença, no entanto, não resume de
maneira adequada a segunda metade do filme: No cinema de ação que consolida, na
excelência técnica verdadeiramente impecável das cenas que entrega, e no
entusiasmo eletrizante que suscitou em toda uma geração, “Rambo II” é o
“exército-de-um-homem-só” materializado em filme, mais até do que “Comando Para
Matar”, com Arnold Schwarzenegger (um rival, por muito tempo reconhecido, de
Stallone) ou “Duro de Matar”, com Bruce Willis, ambos à sua maneira certeiros
em sua execução, mas que não atingem esse caráter especialmente icônico de
Rambo.
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