sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Rambo II - A Missão


 A continuação do filme singelo, incisivo e eficiente de Sylvester Stallone de 1982 –e cujo argumento, em sua sólida unidade, deixava pouca margem para uma continuação de fato –lançada em 1985, encontrou seu astro, numa fase já diferente de sua carreira, encontrou também uma plateia (em especial, a norte-americana) com uma mentalidade distinta  e, por fim, encontrou, na década de 1980, uma percepção de se fazer e consumir cinema que se distinguia da adotada por Ted Kotcheff no primeiro filme. Todos esses fatores levaram “Rambo II-A Missão” a tornar-se uma obra completamente diferente do filme que a originou, estabelecendo, para o bem e para o mal, os conceitos que passaram a definir o personagem, e com os quais foi inserido na cultura pop –e não à toa, é o mais cultuado e influente de toda a série.

Roteirizado por um iniciante James Cameron (já dando vazão à veia megalomaníaca que o definiria em ambiciosos projetos vindouros como diretor) e dirigido por George P. Cosmatos, com uma compreensão intrínseca do cinema de ação pancadaria do período, e bem pouco interessado no entendimento mais íntimo do personagem exercido por Kotcheff no filme anterior, “Rambo II” se inicia com John Rambo na penitenciária, a pagar por seus atos deflagrados no primeiro filme. Nessa situação, ele torna a ser procurado pelo seu mentor, Coronel Trautman (Richard Crenna), para uma missão na qual somente sua habilidade será capaz de dar conta: Rambo deve regressar às selvas do Camboja e tirar fotos dos combatentes norte-americanos ainda mantidos como prisioneiros pelos vietcongues. Naquela época, o governo Ronald Regan ainda insistia nos assim chamados M.I.A., Missing In Action, soldados não declarados como mortos em combate que supostamente estariam  em cárcere no Vietnam pós-guerra. Ao longo da década de 1980, muitos foram os filmes de ação pauleira (como “Braddock”) que usaram desse plot, gerando praticamente um sub-gênero.

Nesse sentido, “Rambo II” é a pedra fundamental do conceito –se o primeiro filme escancarava demônios pessoais ligados ao Vietnam presentes no subconsciente da sociedade norte-americana (ainda que a sutileza passe longe de qualquer postura), este segundo, vai de encontro aos anseios, vamos dizer assim, dessa mesma sociedade. A Era Reagan foi caracterizada por um enfrentamento espartano das mazelas americanas por meio de um ufanismo populista que contaminou sua cultura pop em geral e transformou Rambo, em particular, numa espécie de garoto-propaganda dessa mentalidade –não à toa, surgiu até mesmo uma série de desenho animado envolvendo o personagem (que no cinema, é bom lembrar, tinha características fatalistas e ambíguas, nada apropriadas a um protagonista infantil!).

Pois então, eis que, no decurso de sua missão, Rambo não se contenta em tirar as ditas fotos dos prisioneiros que, de fato, ele encontra presos no Vietnam; Rambo, na verdade, resgata um deles. O problema: Não era, necessariamente de interesse dos homens no comando da missão –como Murdock, vivido por Charles Napier, de “O Silêncio dos Inocentes” –que Rambo voltasse com algo mais do que meras fotos, que podiam ser varridas para baixo do tapete, caso a ineficiência do governo ficasse evidente. Diante dessas circunstâncias, Rambo é abandonado e recapturado pelos mesmos vietcongues que um dia enfrentou. E acaba submetido a novas torturas –nas mãos, inclusive de um coronel soviético interpretado por Steven Berkoff –até conseguir escapar e, sozinho, exterminar todo o exército de vietcongues, libertar seus compatriotas e levá-los de volta para casa, em suma, Rambo ganha a guerra, aos olhos de um público entretido e satisfeito de pirotecnia, que os EUA, anos antes, não foram capazes de ganhar.

Essa última sentença, no entanto, não resume de maneira adequada a segunda metade do filme: No cinema de ação que consolida, na excelência técnica verdadeiramente impecável das cenas que entrega, e no entusiasmo eletrizante que suscitou em toda uma geração, “Rambo II” é o “exército-de-um-homem-só” materializado em filme, mais até do que “Comando Para Matar”, com Arnold Schwarzenegger (um rival, por muito tempo reconhecido, de Stallone) ou “Duro de Matar”, com Bruce Willis, ambos à sua maneira certeiros em sua execução, mas que não atingem esse caráter especialmente icônico de Rambo.

O discurso de Ronaldo Reagan jamais viu-se tão espetacularmente ilustrado, e o personagem (bem como o próprio Stallone) adquiriu uma aura e um aspecto que, para o bem e para o mal, seriam sua definição dali para frente.

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