quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Gavião Arqueiro


 Dentre os heróis originais a integrarem os Vingadores, o único que jamais conseguiu ganhar um filme-solo foi, infelizmente, o Gavião Arqueiro, vivido pelo competente Jeremy Renner. Na verdade, o Gavião Arqueiro foi (e, em grande medida, ainda é) sistematicamente subaproveitado dentro do Universo Marvel –basta lembrarmos de sua participação, boa parte dela como um comparsa hipnotizado de vilão, em “Vingadores”. A série “Hawkeye”, do Disney Plus, prometia corrigir esse lapso.

Como todas as demais séries lançadas pela Marvel em 2021 –“WandaVision”, “Falcão & Soldado Invernal” e “Loki” –esta chega narrativamente atrelada a todos os diversos filmes da Marvel Studios que a precederam, e seus acontecimentos, certamente irão reverberar em inúmeros projetos que ainda estão por vir. Na verdade, isso é bem nítido: Como parece ser inerente aos trabalhos mais recentes da Marvel, “Gavião Arqueiro” é uma trama sobre a passagem de bastão, onde uma nova geração surge para preencher o lugar dos combatentes veteranos e cansados, e nesse sentido, a série é também sobre Kate Bishop (a maravilhosa Hailee Steinfeld), até mais do que sobre Clint Barton, codinome do Gavião Arqueiro –detalhe que ameaça colocá-lo para escanteio dentro da própria série que protagoniza.

O primeiro episódio, dentre seis, começa inspirado: Testemunhamos os eventos de 2021, do primeiro filme dos Vingadores, contudo, não do já conhecido ponto de vista dos heróis, mas do ângulo da pequena Kate, então uma garotinha de apenas nove anos, que vê, estarrecida, das dependências em frangalhos de seu apartamento, a devastadora Batalha de Nova York. Algo em meio àquele caos chama a atenção de Kate: Um herói, munido de arco e flecha, enfrenta os alienígenas e salva a vida das pessoas (incluindo a dela própria). ele não é provido de superpoderes, não tem um martelo mágico, nem uma armadura tecnológica. Ele conta apenas com sua habilidade e vigor. É o Gavião Arqueiro.

Nos dias atuais, Kate já é uma moça com vinte e tantos anos, mas a inspiração do Gavião Arqueiro, de certa forma a definiu: Ela é prodigiosa em arcoaria. Já, a Batalha de Nova York foi devidamente assimilada pela cultura pop; Foi convertida em um musical –“Rogers-The Musical” –exibido nos palcos off-Broadway; é essa peça teatral que vemos Clint Barton assistindo com os filhos enquanto ainda digere os acontecimentos de “Vingadores-Ultimato”, entre eles, a morte de sua melhor amiga, Natasha Romanoff (Scarlett Johansson). Esses contratempos e mais as árduas missões ao longo dos anos passaram a afetar seriamente a sua audição –numa manobra oriunda dos premiados quadrinhos escritos por Matt Fraction, que serve de produtor-consultor desta série,

Os caminhos de Kate e Clint, é óbvio, estão fadados a se cruzarem. E isso ocorre quando, por acaso, Kate veste o traje de Ronin –a identidade vigilante adotada por Clint quando sua família foi blipada por Thanos em “Vingadores-Guerra Infinita” –e acaba na mira de uma gangue nova-iorquina ávida por vingança, a Gangue do Agasalho (?!), também oriunda da graphic-novel de Matt Fraction.

Clint então precisa livrar Kate –que na empolgação assume o papel de sua parceira/pupila/ajudante –do encalço da Gangue do Agasalho, e de sua perigosa líder, Maya (Alaqua Cox), uma surda-muda hábil em artes-marciais, enquanto corre contra o tempo para tentar passar o Dia de Natal junto de sua família –a série busca emular assim, as narrativas ágeis e descontraídas de alguns filmes natalinos, aos quais, inclusive, a produção faz referência. Entretanto, tudo é somente a ponta do iceberg: A trama de “Gavião Arqueiro” se ramifica a medida que descobrimos mais a respeito de seus inúmeros personagens, como Eleanor Bishop (a ótima Vera Farmiga), mãe de Kate, que guarda terríveis segredos envolvendo o assassinato de um ricaço; ou o noivo dela, o bon vivant Jack Duquesne (Tony Dalton), um espadachim de habilidade um tanto suspeita (na realidade, ele próprio um importante personagem de histórias mais antigas da Marvel); até mesmo Laura Barton (Linda Cardelini), esposa de Clint, dona de um passado misterioso que ameaça voltar para persegui-la, algo que seu marido não pode deixar; ou Yelena Belova (a sempre sensacional Florence Pugh) que, desde a cena pós-créditos de “Viúva Negra” sabemos ter Clint Barton na mira por acreditar ser ele o responsável pela morte de sua irmã, Natasha Romanoff; e, para a alegria de inúmeros fãs de quadrinhos, a aparição-surpresa, já nos episódios finais, do verdadeiro vilão da trama, um personagem (e um ator) que fará o público vibrar.

De fato, mais do que enfim conceder um tão aguardado protagonismo ao Gavião Arqueiro –embora nesse quesito ele também seja compensador –esta série prepara o terreno para os novos personagens que estão chegando ao Universo Marvel, sendo a mais notável aqui a mocinha Kate Bishop, que a talentosa Haille Steinfeld transforma numa heroína  com a qual é impossível o público não se encantar. Mas, não é só ela: A produção dedica quase um episódio inteiro para evidenciar a química extraordinária que ela compartilha com a Yelena Belova de Florence Pugh –certamente as caras mais proeminentes daqueles que estarão a frente dos Vingadores no futuro. A produção sempre competentíssima de Kevin Feige tira imenso proveito do formato estendido e episódico da série e trabalha seus carismáticos personagens com minúcia, parcimônia e minimalismo, fazendo com que acompanhá-los, seja em momentos de ação, de humor ou de drama, torne-se  uma experiência nunca menos que deliciosa.

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