Em algum ponto dos anos 2000-2010, quando firmou uma bela parceria com o ator Viggo Mortensen, o diretor David Cronenberg iniciou uma bela fase onde seus filmes –análises antropológicas e implacáveis do instinto sobre a índole humana –adquiriram uma interessante aura de sutileza, elegância e classe. Predicados que a crítica não enxergou (ou não quis enxergar) em obras anteriores como “Gêmeos-Mórbida Semelhança” e “Mistérios e Paixões”.
Certamente, era uma proposta e tanto a deste
“Um Método Perigoso” onde Cronenberg, com suas observações apuradas e de
irrestrito pudor artístico, focaria suas lentes na relação entre Carl Jung e
Sigmund Freud, o pai da psicanálise.
Foi uma surpresa para muitos –e talvez, uma
frustração para seus apreciadores mais incondicionais –que o relato desse
encontro tivesse ganhado um viés clássico, focado nas atuações e no diálogo,
abrindo mão assim das mutações físicas e de irreprimível apelo visual que tanto
fizeram a fama do diretor. Em “Um Método Perigoso”, Cronenberg está, mais do
que nunca, interessado nas peculiaridades da mente; lá onde começam, afinal,
todas as celeumas que a ele sempre importaram.
De uma maestria inconteste, Michael Fassbender
é Carl Jung, jovem psiquiatra que inicia, na Suíça, o tratamento da jovem e
perturbada Sabina Spielrein (Keira Knightley, dando vazão irreprimível a todos
os histrionismos de Cronenberg) sob a atenta e irrefutável orientação de seu
mentor Sigmund Freud (Viggo Mortensen, contido e magnífico), cuja constatação é
de que todas as celeumas psíquicas humanas têm uma origem na relação
embrionária do indivíduo com o sexo. Embora se sinta inclinado pela admiração à
aceitar as instruções de Freud, Jung pensa diferente: Para ele, os sonhos têm
muito mais a dizer em relação ao subconsciente da pessoa do que sua relação com
a própria libido.
A medida que os anos passam, não apenas o
relacionamento entre Carl Jung e Sabina Spielrein se modifica (ele, a despeito
de ser casado, a transforma em sua amante), como também a relação entre Jung e
Freud vai se submetendo a um rompimento gradual e irreversível a medida que as
convicções de cada um e a forma distinta com que enxergam a psicanálise vai os
afastando.
A proposta embutida nesta obra de Cronenberg é
um tanto quanto inédita em toda a sua filmografia: Vislumbrar ou, em última
instância, perceber, tatear, pela primeira vez, as profundezas insondáveis,
deixando de lado o que se vê na superfície. Com efeito, as imagens, desta vez,
pouco dizem a respeito da obra que o diretor deseja moldar. Em alguns momentos,
nem mesmo aquilo que é dito e discutido. É nas compreensões implícitas –e na
habilidade das atuações precisas e minimalistas assim orquestradas –que está o
verdadeiro cerne ao qual Cronenberg quer chegar. Na contradição humana e
incontornável de Jung e sua postura acadêmica –tentando confrontar as
observações estabelecidas de seu mentor Freud com suas próprias e válidas
concepções psicanalíticas –ao ceder, justamente ao sexo (o X da questão na
opinião de Freud) que descobre fora do casamento com sua transtornada Sabina.
Ao mesmo tempo, Cronenberg transforma Freud num personagem a um só tempo
supino, presunçoso, egocêntrico e dissimulado, sem no entanto, negar a
possibilidade dele ter lá suas razões. O único ponto fraco, e que ameaça
comprometer terrivelmente a harmonia deste ambicioso projeto, é a inglesa Keira
Knightley que, ao abraçar uma personagem radicalmente distante das mocinhas
hollywoodianas que vinha fazendo, não traduz, numa atuação à altura, as mazelas
impronunciáveis nem os recônditos poderosamente obscuros de sua personagem.
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