sábado, 21 de dezembro de 2024

The Touch Of Her Flesh


 O slasher foi um subgênero cinematográfico que aflorou com forte apelo comercial nos anos 1980, por meio de uma infinidade de produções norte-americanas rasteiras. Basicamente, eram filmes de terror, despudorados e jovens, onde a contagem de corpos (e as cenas sangrentas) eram equacionadas, em sua banalidade, à sensualidade e às eventuais cenas de nudez gratuita. Contudo, a gênese do slasher se deu décadas antes através de outros subgêneros que surgiram em demais lugares do mundo impulsionados pelas mais diversas razões sócio-culturais –tais como o giallo na Itália e o exploitation em outros países. Datada de 1967, o obscuro “The Touch Of Her Flesh” é considerado um precursor do que viria a ser o slasher duas décadas depois. Roteirizado, dirigido e protagonizado por Michael Findlay, rodado em preto & branco, com baixíssimo orçamento, é uma obra sórdida e misógena, carregada de um erotismo tóxico que, com frequência, acaba fetichizando a psicopatia de seu personagem principal voltada contra mulheres, involuntariamente ou não.

A audácia da produção começa com seus créditos iniciais, projetando palavras num corpo feminino completamente despido, sem qualquer pudor em exibir todas as partes de sua anatomia –o que curiosamente faz lembrar também alguns filmes de James Bond (!?). Isso já dá um clara ideia do tom escandaloso e sensacionalista no qual se dará a narrativa da trajetória de Richard (o próprio diretor Findlay), um cidadão norte-americano casado cujo hobby é colecionar armas. Ao partir para uma convenção de armas –dessas que ocorrem com frequência nos armamentistas EUA –Richard deixa sua esposa, Claudia (Anjelique Pettyjohn), sozinha. Oportunidade que ela aproveita para convocar seu amante. Entretanto, Richard volta mais cedo para casa e, ao flagrar o adultério da própria mulher (na mais expositiva das cenas de sexo, claro...), ele surta e sai em desespero a correr pela rua. É atropelado e, como consequência do acidente, fica caolho e dependente de uma cadeira de rodas. É aí que começa sua trajetória de vingança, a começar por Claudia e, na sequência, todas as mulheres que encontra pela frente –prostitutas e strippers, principalmente. Diferente dos assassinos que, muitos anos mais tarde, passaram a compor a vasta lista dos psicopatas do slasher, Richard além do detalhe incomum de usar venda num dos olhos e da cadeira de rodas, não se ocupa de uma única modalidade de arma, apesar de seu apreço por armas de fogo revelado no início: Ele se vale de zarabatanas (a cena em que faz uso de uma nas dependências de uma boate contra uma inadvertida stripper é uma das mais memoráveis do filme), arco e flecha, facas (a arma usual no slasher) e até mesmo serras elétricas (quase uma década antes de Leatherface ter a mesma ideia!).

Engana-se, porém, aquele expectador que imaginar que “The Touch Of Her Flesh” é um filme convencional no sentido comercialmente abrasível do termo, ou mesmo que seja um slasher materializado com todas as letras à frente de seu tempo: De caráter quase experimental –e por isso mesmo exalando um desconforto incontornável –o filme de Michael Findlay é enxuto e objetivo na execução sem sutilezas de sua trama (são, mal preenchidos, setenta e oito minutos de duração), o que leva a narrativa a ocupar seu tempo com muitas cenas, tão gratuitas quanto aleatórias, de seu elenco feminino sem roupas e se masturbando. Ajuda muito para esse estranhamento, também, a narração em off do próprio Richard, descrevendo incessantemente seu ódio pelas mulheres e expondo verbalmente seus planos de eliminá-las como num fillme didático daqueles mesmos tempos –só que sobre vingança misógena e psicose machista!

Uma obra que jamais seria realizada nos tempos de hoje, até pela falta de bom senso com que ilustra as atitudes e motivações de seu protagonista amparando esses elementos em fetichismo e perversão com flagrante normalidade, “The Touch Of Her Flesh”, mesmo assim, não escapou das predisposições ironicamente comerciais que viriam atreladas ao slasher mais tarde, tanto que é o primeiro de um trilogia, perpetrada um ano depois, 1968, pelo próprio Michael Findlay com “The Curse Of Her Flesh” e “The Kiss Of Her Flesh”. Pode-se afirmar que essa trilogia serve, hoje, como um registro histórico de um tempo em que esse cinema sem responsabilidades era executado nas fileiras das produções de baixo orçamento, rendendo obras malditas que, para bem ou para o mal, influenciaram outros projetos no futuro.

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