Diretor de prestígio, Ridley Scott, ao longo da carreira conseguiu emplacar exatamente dois filmes na almejada cerimônia do Oscar na categoria principal –foram eles, “Gladiador”, em 2001, e “Perdido Em Marte”, em 2016; “Falcão Negro em Perigo” não conta pois concorreu somente na categoria de Melhor Direção. Desses, o único a levar o prêmio foi o épico “Gladiador”. Essa talvez seja uma das justificativas para Scott, passados vinte e três anos depois, retomar a trama de um filme cujo desfecho era redondinho, tornando desnecessária qualquer continuação.
Embora saibamos muito do que se sucederá no
filme bem antes da informação –fruto de uma era digital onde informações de
bastidores, guinadas de roteiro e até detalhes da sinopse de um filme chegam ao
público muito antes do filme propriamente dito –quando “Gladiador II” começa,
pouca coisa do filme original em princípio nos é mostrada (salvo um breve
resumo da trama nos créditos iniciais). Os elementos do aclamado filme original
vão surgindo aos poucos, indicativos do diretor à moda antiga que Ridley Scott
é –predicado que o torna a pessoa certa realmente para capitanear este tipo de
épico.
O protagonista é Hanno (Paul Mescal, num
esforço sobre-humano para igualar a imponência de Russell Crowe) que, ao começar
o filme, encontramos na cidade de Numídia, no Norte da África, prestes a ser
invadida pelo Império Romano. Com a cidade tomada –mérito das tropas sob o
comando do General Acacius, vivido por Pedro Pascal –Hanno feito prisioneiro e
sua esposa morta, todos os sobreviventes são levados à Roma, caindo nas mãos do
negociante Macrinus (Denzel Washington, fantástico), fornecedor de gladiadores
para a capital, Roma. O império, então governado pelos gêmeos Geta (Joseph Quinn,
de “Um Lugar Silencioso-Dia Um”) e Caracalla (Fred Hechinger, da série “The White
Lotus”) está longe do sonho de liberdade e igualdade almejado por Marco Aurélio
no filme original: A ambição dos gêmeos sobrecarrega os exércitos na ânsia de
conquistar mais e mais terras, o senado chafurda em corrupção e o povo,
negligenciado, ganha como distração a violência do Coliseu para não provocar
uma insurreição nas ruas.
Ladino e ávido nas maquinações políticas,
Macrinus fareja as oportunidades de poder nesse cenário de inconstância e, mais
que isso, identifica a capacidade para cativar a plateia como gladiador em
Hanno. Ele compreende também, na mal disfarçada sofisticação de seus modos e
nos indícios de uma apurada educação que podem haver segredos inesperados nas
origens daquele prisioneiro raivoso. Errado não está: Hanno é, na verdade,
Lucius Verus Aurelius (que, no filme
original, foi interpretado por Spencer Treat Clarke, de “Vidro”), filho de
Lucilla (Connie Nielsen) e neto de Marco Aurélio, afastado de Roma pela própria
mãe justamente pelo perigo que sua procedência real representava à sua vida.
Mais que isso, numa manobra narrativa não tão original assim e que, pelo menos
em “Gladiador”, sequer é mencionada (embora até faça algum sentido), é revelado
que Lucius –ou Hanno, como queira –é, na realidade, filho de Maximus Decimus
Meridius, o herói de guerra que sacrificou-se na arena do Coliseu em nome do
sonho de Marco Aurélio, matando o então imperador Commodus.
Agora as coisas mudaram, embora nem tanto:
Ainda governada por hedonistas inescrupulosos, Roma se encontra à beira de uma
guerra civil, e o principal apoiador desse levante (ao menos, nas sombras) é o
próprio Acacius que, agora, é casado com a própria Lucilla. Contudo, é nas
artimanhas astuciosas de Macrinus que repousam as manobras que realmente fazem
“Gladiador II” avançar –ele ganha fama e prestígio junto ao senado e aos
imperadores graças ao surpreendente desempenho de seu novo gladiador Hanno –que
curiosamente (veja só!) demonstra a mesma iniciativa e o mesmo carisma que
Maximus demonstrou na arena, dezesseis anos antes –e vai escalando sua
influência nas esferas mais altas do Império, visando o poderoso cargo de
cônsul, enquanto promete para Hanno a única coisa que ele realmente deseja: A
cabeça do General Acacius, que ele responsabiliza pela morte de sua esposa.
É muito provável que muito desse
interessantíssimo arco narrativo do sensacional personagem de Denzel Washington
tenha sido reaproveitado de ideias que Ridley Scott e os roteiristas puderam
ter tido para o personagem de Oliver Reed no primeiro filme –Reed morreu de
infarto durante as filmagens, faltando algumas semanas para terminar sua
participação e é sabido, com isso, que a presença de seu personagem teve de ser
improvisada (com modificações de roteiro e inserções de imagens digitalmente
alteradas) , durante boa parte do último terço de filme.
Embora hajam mais personagens, e mais dinâmicas
complexas a entrelaçá-los aqui do que no filme original, o roteiro de
“Gladiador II” escrito por David Scarpa usa e abusa do fato de que todo o
enredo estava estabelecido (e muito bem) já no primeiro filme, para em muitos
aspectos ir direto ao ponto: São nas cenas de combate, predominantes a usar o
Coliseu como palco, que todas as tramas e sub-tramas se desenrolam, entre elas,
uma das primeiras, a cena da luta com o rinoceronte, incluída nesta continuação
certamente por conta da lendária cena deletada do filme original em que haveria
um rinoceronte também (essa cena deletada é um dos mais comentados easter-eggs da edição de colecionador do
DVD de “Gladiador”) e a sequência onde uma batalha naval (!) é recriada em
pleno Coliseu –ainda que o absurdo dessa reconstituição, com navios e a arena
submersa em água, deixe dúvidas quanto à sua verossimilhança, esse tipo de
batalha realmente foi encenada no Coliseu, reproduzindo o ambiente marítimo
(!!).
Assim sendo, muito mais abertamente focado
nesse senso de espetáculo (algo no qual Ridley Scott se tornou um especialista
inquestionável), “Gladiador II” deixa um pouco de lado a relevância enquanto
cinema e as reflexões de seriedade embutidas em seu filme original para se
concentrar na satisfação comercial da plateia.
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