quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Gladiador II


 Diretor de prestígio, Ridley Scott, ao longo da carreira conseguiu emplacar exatamente dois filmes na almejada cerimônia do Oscar na categoria principal –foram eles, “Gladiador”, em 2001, e “Perdido Em Marte”, em 2016; “Falcão Negro em Perigo” não conta pois concorreu somente na categoria de Melhor Direção. Desses, o único a levar o prêmio foi o épico “Gladiador”. Essa talvez seja uma das justificativas para Scott, passados vinte e três anos depois, retomar a trama de um filme cujo desfecho era redondinho, tornando desnecessária qualquer continuação.

Embora saibamos muito do que se sucederá no filme bem antes da informação –fruto de uma era digital onde informações de bastidores, guinadas de roteiro e até detalhes da sinopse de um filme chegam ao público muito antes do filme propriamente dito –quando “Gladiador II” começa, pouca coisa do filme original em princípio nos é mostrada (salvo um breve resumo da trama nos créditos iniciais). Os elementos do aclamado filme original vão surgindo aos poucos, indicativos do diretor à moda antiga que Ridley Scott é –predicado que o torna a pessoa certa realmente para capitanear este tipo de épico.

O protagonista é Hanno (Paul Mescal, num esforço sobre-humano para igualar a imponência de Russell Crowe) que, ao começar o filme, encontramos na cidade de Numídia, no Norte da África, prestes a ser invadida pelo Império Romano. Com a cidade tomada –mérito das tropas sob o comando do General Acacius, vivido por Pedro Pascal –Hanno feito prisioneiro e sua esposa morta, todos os sobreviventes são levados à Roma, caindo nas mãos do negociante Macrinus (Denzel Washington, fantástico), fornecedor de gladiadores para a capital, Roma. O império, então governado pelos gêmeos Geta (Joseph Quinn, de “Um Lugar Silencioso-Dia Um”) e Caracalla (Fred Hechinger, da série “The White Lotus”) está longe do sonho de liberdade e igualdade almejado por Marco Aurélio no filme original: A ambição dos gêmeos sobrecarrega os exércitos na ânsia de conquistar mais e mais terras, o senado chafurda em corrupção e o povo, negligenciado, ganha como distração a violência do Coliseu para não provocar uma insurreição nas ruas.

Ladino e ávido nas maquinações políticas, Macrinus fareja as oportunidades de poder nesse cenário de inconstância e, mais que isso, identifica a capacidade para cativar a plateia como gladiador em Hanno. Ele compreende também, na mal disfarçada sofisticação de seus modos e nos indícios de uma apurada educação que podem haver segredos inesperados nas origens daquele prisioneiro raivoso. Errado não está: Hanno é, na verdade, Lucius  Verus Aurelius (que, no filme original, foi interpretado por Spencer Treat Clarke, de “Vidro”), filho de Lucilla (Connie Nielsen) e neto de Marco Aurélio, afastado de Roma pela própria mãe justamente pelo perigo que sua procedência real representava à sua vida. Mais que isso, numa manobra narrativa não tão original assim e que, pelo menos em “Gladiador”, sequer é mencionada (embora até faça algum sentido), é revelado que Lucius –ou Hanno, como queira –é, na realidade, filho de Maximus Decimus Meridius, o herói de guerra que sacrificou-se na arena do Coliseu em nome do sonho de Marco Aurélio, matando o então imperador Commodus.

Agora as coisas mudaram, embora nem tanto: Ainda governada por hedonistas inescrupulosos, Roma se encontra à beira de uma guerra civil, e o principal apoiador desse levante (ao menos, nas sombras) é o próprio Acacius que, agora, é casado com a própria Lucilla. Contudo, é nas artimanhas astuciosas de Macrinus que repousam as manobras que realmente fazem “Gladiador II” avançar –ele ganha fama e prestígio junto ao senado e aos imperadores graças ao surpreendente desempenho de seu novo gladiador Hanno –que curiosamente (veja só!) demonstra a mesma iniciativa e o mesmo carisma que Maximus demonstrou na arena, dezesseis anos antes –e vai escalando sua influência nas esferas mais altas do Império, visando o poderoso cargo de cônsul, enquanto promete para Hanno a única coisa que ele realmente deseja: A cabeça do General Acacius, que ele responsabiliza pela morte de sua esposa.

É muito provável que muito desse interessantíssimo arco narrativo do sensacional personagem de Denzel Washington tenha sido reaproveitado de ideias que Ridley Scott e os roteiristas puderam ter tido para o personagem de Oliver Reed no primeiro filme –Reed morreu de infarto durante as filmagens, faltando algumas semanas para terminar sua participação e é sabido, com isso, que a presença de seu personagem teve de ser improvisada (com modificações de roteiro e inserções de imagens digitalmente alteradas) , durante boa parte do último terço de filme.

Embora hajam mais personagens, e mais dinâmicas complexas a entrelaçá-los aqui do que no filme original, o roteiro de “Gladiador II” escrito por David Scarpa usa e abusa do fato de que todo o enredo estava estabelecido (e muito bem) já no primeiro filme, para em muitos aspectos ir direto ao ponto: São nas cenas de combate, predominantes a usar o Coliseu como palco, que todas as tramas e sub-tramas se desenrolam, entre elas, uma das primeiras, a cena da luta com o rinoceronte, incluída nesta continuação certamente por conta da lendária cena deletada do filme original em que haveria um rinoceronte também (essa cena deletada é um dos mais comentados easter-eggs da edição de colecionador do DVD de “Gladiador”) e a sequência onde uma batalha naval (!) é recriada em pleno Coliseu –ainda que o absurdo dessa reconstituição, com navios e a arena submersa em água, deixe dúvidas quanto à sua verossimilhança, esse tipo de batalha realmente foi encenada no Coliseu, reproduzindo o ambiente marítimo (!!).

Assim sendo, muito mais abertamente focado nesse senso de espetáculo (algo no qual Ridley Scott se tornou um especialista inquestionável), “Gladiador II” deixa um pouco de lado a relevância enquanto cinema e as reflexões de seriedade embutidas em seu filme original para se concentrar na satisfação comercial da plateia.

Resulta, com isso, numa obra envolvente, divertida e grandiosa, uma opção que certamente se revelava mais viável diante do desafio de dar continuidade à uma das mais reverenciadas produções cinematográficas do últimos trinta anos.

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