sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A Trilogia da Incomunicabilidade

Deve ter sido difícil para Michelangelo Antonioni discorrer sobre os motivos e as razões de seus filmes quando ainda era vivo. Antonioni era um autor daquele tempo em que o filme falava (ou deveria falar) por si, e explicar os porques numa entrevista coletiva (algo cada vez mais comum hoje) era um ato que apenas depunha contra a riqueza da obra.
E os filmes de Antonioni eram riquíssimos. Abertos a inúmeras interpretações.
"A Aventura", por exemplo, parte de um expediente que usou em muitos trabalhos: Começa com uma premissa que ameaça transformar aquilo num filme de suspense, nos moldes de Hitchcook, mas em algum momento, Antonioni abandona esse enredo como forma de mostrar que, perante o vazio existencial que habita a vida daqueles personagens, tudo o mais (por mais alarmante que seja) perde a importância, até não ter mais relevância alguma.
Foi assim com "O Passageiro-Profissão: Repórter" (onde um homem troca de identidade com um morto, e assume sua vida) e com "Blow Up-Depois Daquele Beijo" (no qual um fotógrafo, sem querer, registra um possível homicídio, nas fotos aleatórias que tirou em um parque), e é assim com "A Aventura".
Durante um passeio de fim de semana, uma jovem (Lea Massari) perde-se do namorado (Gabriele Ferzetti) e de sua melhor amiga (Monica Vitti). Seu desaparecimento mobiliza a todos, que se unem em sua procura.
Eventualmente, isso leva o namorado e a amiga a um envolvimento, mas também ele (como todas as tentativas humanas de fugir a uma existência banal, nos filmes de Antonioni) é vazio.
"A Noite" contrapõe dois personagens em rota de colisão (ou não): Giovanni (Marcello Mastroianni) e Lídia (Jeanne Moreau), marido e mulher.
A enganosa disposição de seu drama sugere tédio e monotonia, dando a falsa impressão de que eles têm caminhos indiferentes e paralelos (nunca se cruzam). Ledo Engano. Muito ao jeito de Antonioni, eles irão colidir, e isso se dará na noite em que participarão de uma festa que reúne conhecidos e outras pessoas (estes sim, capturados em rotas de vidas completamente paralelas, cuja atenção ao seu próprio vazio os faz ignorar os seres humanos à sua volta).
Como em toda colisão, esta terá momentos de perplexidade de seus personagens, onde pouco poderão raciocinar, exceto testemunhar os efeitos irreversíveis do acidente.
"O Eclipse" é, dentre todos, o trabalho que melhor ilustra o talento de Antonioni na direção, mais do que sua temática sofisticada e densa (e dizer isso diante desta magnífica "Trilogia da Incomunicabilidade" não é dizer pouco). As cenas que capturam a fauna humana em constante movimentação na bolsa de valores são um exemplo dessa perícia.
A câmera de Antonioni  acompanha o romance que surge à revelia de tantas trajetória, até mesmo dos protagonistas envolvidos. Tal é sua alienação que tanto seu prólogo, quanto seu epílogo lhes parecem passar despercebidos: E o modo como Antonioni escolhe encerrar este trabalho (abrindo mão completamente de seus personagens, e deixando suas narrativas suspensas no ar) é de um ato não apenas de coragem, mas de irrestrita força cinematográfica.

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