Deve ter sido difícil para Michelangelo Antonioni discorrer sobre os motivos e as razões de seus filmes quando ainda era vivo. Antonioni era um autor daquele tempo em que o filme falava (ou deveria falar) por si, e explicar os porques numa entrevista coletiva (algo cada vez mais comum hoje) era um ato que apenas depunha contra a riqueza da obra.
E os filmes de Antonioni eram riquíssimos. Abertos a inúmeras interpretações."A Aventura", por exemplo, parte de um expediente que usou em muitos trabalhos: Começa com uma premissa que ameaça transformar aquilo num filme de suspense, nos moldes de Hitchcook, mas em algum momento, Antonioni abandona esse enredo como forma de mostrar que, perante o vazio existencial que habita a vida daqueles personagens, tudo o mais (por mais alarmante que seja) perde a importância, até não ter mais relevância alguma.
Foi assim com "O Passageiro-Profissão:
Repórter" (onde um homem troca de identidade com um morto, e assume sua
vida) e com "Blow Up-Depois Daquele Beijo" (no qual um fotógrafo, sem
querer, registra um possível homicídio, nas fotos aleatórias que tirou em um
parque), e é assim com "A Aventura".
Durante um passeio de fim de semana, uma jovem
(Lea Massari) perde-se do namorado (Gabriele Ferzetti) e de sua melhor amiga
(Monica Vitti). Seu desaparecimento mobiliza a todos, que se unem em sua
procura.
Eventualmente, isso leva o
namorado e a amiga a um envolvimento, mas também ele (como todas as tentativas
humanas de fugir a uma existência banal, nos filmes de Antonioni) é vazio.
"A Noite" contrapõe dois personagens
em rota de colisão (ou não): Giovanni (Marcello Mastroianni) e Lídia (Jeanne
Moreau), marido e mulher.
A enganosa disposição de seu drama sugere tédio
e monotonia, dando a falsa impressão de que eles têm caminhos indiferentes e
paralelos (nunca se cruzam). Ledo Engano. Muito ao jeito de Antonioni, eles
irão colidir, e isso se dará na noite em que participarão de uma festa que
reúne conhecidos e outras pessoas (estes sim, capturados em rotas de vidas
completamente paralelas, cuja atenção ao seu próprio vazio os faz ignorar os
seres humanos à sua volta).
Como em toda colisão, esta
terá momentos de perplexidade de seus personagens, onde pouco poderão
raciocinar, exceto testemunhar os efeitos irreversíveis do acidente.
"O Eclipse" é, dentre todos, o
trabalho que melhor ilustra o talento de Antonioni na direção, mais do que sua
temática sofisticada e densa (e dizer isso diante desta magnífica
"Trilogia da Incomunicabilidade" não é dizer pouco). As cenas que
capturam a fauna humana em constante movimentação na bolsa de valores são um
exemplo dessa perícia.
A câmera de Antonioni
acompanha o romance que surge à revelia de tantas trajetória, até mesmo
dos protagonistas envolvidos. Tal é sua alienação que tanto seu prólogo, quanto
seu epílogo lhes parecem passar despercebidos: E o modo como Antonioni escolhe
encerrar este trabalho (abrindo mão completamente de seus personagens, e
deixando suas narrativas suspensas no ar) é de um ato não apenas de coragem,
mas de irrestrita força cinematográfica.
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