Na China Antiga, os hunos resolvem iniciar uma
invasão transpondo a Muralha da China, obrigando as forças militares do império
a requisitar seus reservistas: Ou seja, um alistamento voluntário de cada
família. Mas, a família Fa dispõe de um único homem: o pai de Mulan, já em
idade avançada. A fim de poupar seu pai, a determinada jovem resolve cortar os
cabelos, trajar sua armadura, e fazer-se passar por homem para as tropas nas
quais servirá. Esta é a história deste singular longa-metragem animado dos
Estúdios Disney, inspirado em um fato real, contado num antigo poema chinês.
Ao seu jeito, e com admirável desenvoltura da
parte de seu roteiro, pode-se ver que a produção encontra uma forma de moldar
Mulan àquela galeria clássica de notáveis personagens femininas, que vão desde
Branca de Neve até as atuais Ana e Elsa de “Frozen”.
Devido ao fato de uma animação levar muito
tempo para ser produzida, pode-se perceber, no corpo de sua narrativa, as
mudanças decorridas nos Estúdios Disney naqueles anos (meados de 1998), época
em que, diga-se, ainda se tentava fazer animação tradicional quando a animação
digital ganhava cada vez mais terreno.
No início de sua execução, “Mulan” tinha todos
os elementos de um conto de fadas da Disney: Uma personagem voluntariosa, no
limite exato entre a vontade de agradar à família e uma disposição à
independência e ao pensamento próprio; uma história de perseverança com final
feliz e até um pouco de romance, valorizada pelo fato de ser real. Tudo isso,
renderia uma animação nos moldes tradicionais do estúdio, como canções (e elas,
de fato, está lá), bichinhos engraçados (o pequeno dragão Mushu, na voz de
Eddie Murphy, é uma sacada de gênio) e tudo o mais.
Em algum momento, contudo, as coisas mudaram, e
os Estúdios Disney perceberam que a sua velha fórmula, aplicada há décadas (e
que havia sofrido algumas espertas reinvenções no filmes dos anos 1980, com “A
Pequena Sereia”), não funcionaria mais. As crianças, incluindo as meninas, não
queriam mais contos de fadas, e os trabalhos do estúdio de então passavam em
brancas nuvens, como os nada memoráveis "Pocahontas", e "O
Corcunda de Notre Dame". As crianças queriam emoções mais palpáveis, mais
reais. É por isso que, a partir de sua segunda metade, sente-se uma
transformação em “Mulan”: As músicas que conduziam a narrativa (e que assim
faziam em todos os desenhos da Disney) simplesmente somem, as tiradas de Eddie
Murphy ganham liberdade para serem mais afiadas e a trama revela os contornos
trágicos oriundos da guerra que, afinal de contas, era o tema da história,
contando inclusive com um vilão (Shan-Yu, o brutal líder dos hunos) que é
provavelmente o vilão mais cruel e amedrontador a aparecer em um desenho da Disney.
O lado bom é que “Mulan” só
cresce, tornando-se mais artístico e menos comercial. Ele provavelmente seria
uma animação brilhante de qualquer maneira, mas ao beneficiar-se de uma
política interna, na qual o estúdio mudou suas diretrizes e deixou de lado tudo
o que tinha de conservador, tradicional e batido, o filme adquiriu vida própria
e personalidade. Uma animação espetacular como o estúdio de Mickey Mouse não
entregava ao público desde "O Rei Leão".
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