sexta-feira, 1 de abril de 2016

Valerie e A Semana das Maravilhas

Por volta de seus treze anos, uma jovem começa a aflorar para a vida sexual. Tal fato –nunca realmente explicitado –é percebido através de simbolismos que surgem já nas cenas iniciais (uma gota de sangue maculando as pétalas brancas de uma margarida). A aparição de uma trupe circense em sua cidade parece potencializar isso –inclusive pelas inúmeras possibilidades que essa interpretação proporciona.
Na calada da noite, essa jovem, Valerie, tem seus brincos de pérola roubados por Orlik, que depois arrependido os devolve. Os brincos serão uma espécie de amuleto para ela, ao longo de toda a surreal trajetória do filme.
Valerie mora com a avó –de uma perene expressão cadavérica e sempre ostentando aquela secular atitude de adultos que acham ter uma resposta para todas as coisas, mesmo aquelas que eles próprios desconhecem –e em sua rotina estão as habituais idas à igreja, onde o padre lhes confronta com contradições ainda mais explícitas do que normalmente seriam: Numa peregrinação com freiras, eles tentam tampar, em vão, os olhos de todas as meninas para que não vejam um casal que faz sexo selvagem em frente a todas elas (!).
(E a Igreja, neste filme é uma fonte constante de tópicos a ganhar questionamentos, inclusive com uma deliberada encenação de um pesadelo da Inquisição.)
Logo, Valerie descobrirá que um desses padres é, na realidade um vampiro, símbolo das perversidades disfarçadas de preceitos religiosos, e sua maldição em breve contaminará sua avó, que ressurgirá rejuvenescida, pronta para sugar o sangue da própria Valerie.
Esta por sua vez, irá se encantar cada vez mais por Orlik, que revela-se ao longo da trama uma presença quase angelical, de providenciais intervenções salvadoras quando Valerie mais precisar. Mas uma revelação poderá ameaçar a idealização do romance: Ele e Valerie são irmãos, ainda que a jovem pouca atenção dê a esse fato (!!).
Essa sinopse pouco ilustra este imensamente enigmático filme tcheco, um dos raríssimos exemplares do Movimento Surrealista de Cinema da Tchecoslováquia realizado nos anos 1970 a ser lançado no Brasil. Na maioria das vezes, as imagens falam por si (e esse empenho visual se justifica no fato de que é difícil elucidar um único significado aparente de muito do quê se vê, como a própria imagem da avó, talvez uma metáfora de que, embora hajam perigos indeléveis no ato de crescer e amadurecer –e provavelmente é isso que são os vampiros e sua  oferta de sangue –é também terrível, e até perigoso negar esse amadurecimento, forçando uma pureza e castidade que não passam de mentiras), e os diálogos são reduzidos por vezes ao mínimo necessário, ainda que a narrativa drene o sentido de quase tudo que é dito.
A maior audácia do filme do diretor Jaromil Jires, é ousar colocar a sua jovem protagonista (Jaroslava Schallerová, de beleza e carisma anormais) em cenas de nudez, de acentuada sugestão sexual e até de lesbianismo (!!!), algo que hoje em dia renderia um barulho desgraçado, mas aqui estamos nos lisérgicos anos 1970, e na Europa as coisas eram mais liberadas mesmo...

Se há uma influência determinante em “Valerie e A Semana das Maravilhas” ela é o “Nosferatu” de Murnau, que surge inspirando poderosamente a caracterização de Doninha, o vampiro principal que pode, ou não, ser o pai de Valerie, e volta a ser lembrado na cena fundamental da carruagem fantasma. O final em tom curiosamente evocativo soa como uma espécie de comemoração: É algo a se celebrar, afinal, a transição que uma menina faz para se tornar mulher.

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