segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Divina Criatura

Embora desconhecido dentre os títulos mais famosos da cinematografia italiana do período (anos 1970), “Divina Criatura” se destaca por ilustrar bem a imensa distância que separa os idealizados romances contados nos EUA, dos romances feitos na Europa salpicados de amarga ironia e inúmeros fatores mundanos, além de uma sempre pertinente observação subliminar que ocasionalmente se estende aos meandros políticos de seu tempo, algo bastante inerente à esses realizadores italianos.
A presença do ator Terence Stamp é indicativa da imensa identificação que ele possuía com os valores e procedimentos daquele cinema de então (iniciada com vasto crédito em “Teorema” de Píer Paolo Passolini), mas a presença realmente significativa para o filme, e para o resultado final que chega até o expectador, é Laura Antonelli.
Na pele de Manoela Roderighi, uma cortesã assídua na sociedade burguesa dos primórdios do século XX, ele seduz não apenas o personagem de Stamp, o duque Daniel de Bagnasco, como também o faz com o expectador –e as câmeras do diretor Giuseppe Patroni Griffi não têm restrição em revelarem-se indiscretas quando ela está em cena –em especial, no extraordinário momento da exibição de sua nudez.
Apaixonado, Bagnasco inicia relutantes jogos de sedução com ela, antes de concluir que não escapará à sina de desposá-la. Ainda assim, ele envolve-se numa farsa em que a ajudará a enganar seu primo, Michele Barra (o sempre fabuloso Marcello Mastroianni), que ele descobre ter sido o homem cujas ações levaram ela, no passado, à prostituição.
Bagnasco, contudo, parece perder o controle dessa farsa quando os sentimentos, antes vingativos, de Manoela por Michele voltam a adquirir a afeição de antes, e ele se vê desesperado, à beira de uma iminente rejeição.
Como toca à audaz visão que os italianos tinham sobre as emoções abstratas em contraponto à vida mundana –representada pelos trabalhos de Lucchino Visconti –as escolhas dos personagens irão promover reviravoltas que haverão de salientar a ironia e a miséria de seu drama humano, especialmente, no caso do personagem de Stamp, o mais sujeito, dentre todos, às dilacerações da alma, pois à ele cabe, afinal, a tarefa de também ser os olhos do expectador, o único, portanto, a que foi permitido enxergar os deslumbres do personagem de Laura Antonelli da mesma forma que nós.

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