Os filmes de Lars Von Trier impelem o público à
uma indignação. Herdeiro quase direto de Píer Paolo Passolini e seu ‘cinema do
choque’, o realizador dinamarquês encontra em “Melancolia” um de seus mais
afáveis trabalhos, talvez porque aqui ele se despe de audácias visuais buscando
a contundência de sua trama por meio de uma sutileza maior.
Mas, ainda assim, “Melancolia” é, como suas
outras obras, uma jornada à qual ele conduz o expectador à uma região de ar
rarefeito, onde nos confronta com um espelho que, por vezes, reflete o pior da
raça humana.
Dividido em duas partes. Na primeira (Justine)
acompanhamos uma catastrófica cerimônia de casamento abalada, sobretudo pela
complicada relação entre a noiva (uma convincente Kirsten Dunst), acometida de
uma pungente depressão, e seus familiares. Na segunda parte (Claire), a jovem
noiva, agora desquitada de seu marido, enfrenta a aterradora notícia de uma
catástrofe desta vez literal: até então oculto atrás do sol, o planeta
Melancholia se encontra em rota de colisão com a Terra. Nesse entrecho, a sua
irmã (Charlotte Gainsburg), metódica e sempre preocupada com tudo, deseja
encontrar um meio –por definição, impraticável –de administrar a chegada do fim
entre seus entes queridos. As personalidades de ambas as irmãs ganham
ramificações e proporções simbólicas neste incomum filme-catástrofe do mesmo diretor
impiedoso e contundente que nos entregou a devastadora experiência chamada
"Dogville".
Já foi dito que, a medida
que vai envelhecendo, as influências de Von Trier vão ficando mais perceptíveis.
“Melancolia” é um exemplo bastante claro disso. Qualquer olhar mais superficial
pode notar a imensa inspiração que Andrei Tarkovski e seu “O Sacrifício”
exercem sobre esta obra: Basicamente, Von Trier –como numa referência que até
outro dia era habitual só de Brian De Palma –toma emprestado todo o seu
conceito (um grupo de pessoas num cenário isolado às voltas com a descoberta
existencial do fim do mundo), que lhe domina o plot em sua segunda parte, e serve
para Von Trier –assim como também serviu à Tarkovski –exercitar sua abordagem
aguda sempre despida de qualquer traço de piedade, pudor ou indulgência.
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