segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Lucy

O pertinente diretor francês Luc Besson ficou mais de uma década sem entregar um grande filme quando, à partir de “Joana D’ Arc”, de 1999, e a obscura animação “Angel-A”, de 2005, passou a dedicar-se mais à produção de filmes de ação, e à realização de obras voltadas para o público infantil –alguns de seus únicos créditos são a direção da trilogia “Arthur e Os Minimoys” e a aventura francesa com cara de filme para TV, “As Múmias do Faraó”.
O quê é lamentável para quem é fã do cinema pulsante e homeopaticamente transgressivo que ele exercia nos anos 1980 e 90.
Em 2011, contudo, ele voltou à carga, primeiro com o despretensioso drama “Além da Liberdade”, e depois em 2013, com o ótimo “A Família” –uma sensacional comédia sobre mafiosos que brincava com a imagem e persona do ator Robert De Niro, seu protagonista.
No ano seguinte, Besson aparentemente com fôlego renovado, entregou uma nova obra este curioso “Lucy” –e em 2017, ele lançará a adaptação da cultuada HQ, “Valerian e A Cidade dos Mil Planetas”, um projeto que tem ares de “filme dos sonhos”, já que é evidente em toda sua obra –sobretudo, no início –que Besson sempre foi obcecado por quadrinhos europeus de ficção científica, em especial os oriundos da revista “Metal Hurlant”.
Mas, vamos falar sobre “Lucy”.
Extraviada em algum canto obscuro de Hong Kong, a avoada americana Lucy (Scarlet Johansson, que se revela sensacional praticamente em qualquer papel) torna-se, involuntariamente, mula de carga para um poderoso traficante que coloca em seu estômago um pacote de droga experimental na intenção de contrabandear o produto para a Europa.
Mas um imprevisto acontece e o saco plástico se rompe dentro dela, liberando a droga em seu organismo. Sofrendo de um inusitado efeito colateral, Lucy passa a acessar novas áreas de seu cérebro que vão além dos usuais 10% que, afirmam os cientistas, o ser humano consegue utilizar. Conforme vai se aproximando mais e mais dos 100% de capacidade cerebral, Lucy adquire mais poderes, que a tornam quase onipotente e a levam a procurar um renomado especialista (Morgan Freeman, imponente como sempre) enquanto tem a máfia chinesa e alguns policiais em seu encalço.
A verdade é que chega a ser motivo de júbilo esse então retorno de Besson à direção de filmes que fogem das restritivas pechas infanto-juvenis: A própria premissa inventiva e interessante de “Lucy” é o mais salutar dos indicativos de que o ímpeto criativo e o inconformismo formal que definiam Luc Besson, e que moldaram filmes maravilhosos sob sua assinatura, são qualidades intrínsecas que ele não perdeu, durante sua inexplicada ausência da cadeira de diretor. As cenas de ação, pulsantes e orquestradas com precisão são então um desbunde à parte, mas “Lucy” se destaca de verdade em meio aos exemplares do cinema comercial por sua audaciosa tentativa em mergulhar em idéias e conceitos que vão além de nossa imponderabilidade, abrindo espaço para questões sobre a realidade, o tempo e a existência, com uma saudável e juvenil curiosidade.
Não chega e ser um conceito que mudará o cinema, como foi “Matrix” em 1999, mas é um trabalho digno de pura admiração e certamente muito beneficiado pela versatilidade da atriz Scarlet Johansson, que equilibra muito bem beleza e competência no papel-título.

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