domingo, 11 de dezembro de 2016

Imagens

Particularmente nunca me empolguei tanto com o trabalho de Robert Altman a ponto de incluí-lo na lista de maiores diretores do cinema como muitos já o fizeram. Seus filmes em geral pareciam ter uma barreira de inteligibilidade que os impedia de atingir grandezas absolutas que outros mestres da arte obtêm com mais facilidade.
Mas, houve grandes obras que ele soube conceber.
“Short Cuts-Cenas da Vida”. “O Perigoso Adeus”. “O Jogador”.
É no meio termo entre tais extremos –a excelência de suas obras mais consagradas e a restrição estilística de outros trabalhos –que parece se encontrar o surreal “Imagens”.
Ainda que pode-se perceber aqui, mais do que em seus outros filmes, nos quais emprega um estilo específico e centrado, uma influência maior de Altman por prováveis ídolos. E eles são Roman Polanski (“Repulsa Ao Sexo”) e Ingmar Bergman (“Persona”).
São dois autores aos quais “Imagens” deve muito.
Susannah York interpreta (magnificamente bem, diga-se) Cathryn, uma escritora de histórias infantis dilacerada por uma possível infidelidade de seu marido, Hugh (Rene Auberjonois).
Surtos de esquizofrenia, que aparentam ficar cada vez mais intensos, depois que os dois decidem passar algum tempo numa casa isolada no campo, pioram ainda mais a situação.
Aos poucos, descobrimos que tais suspeitas que a corroem são, de certa forma, reflexos de sua própria culpa: Cathryn, ela própria, foi infiel à Hugh, com um francês, Rene (Marcel Bozzufi), falecido à alguns meses, e depois com Marcel (Hugh Millais), amigo de seu marido.
Há um jogo de reflexos com quais Altman brinca o tempo todo, dentro e fora do filme: Além do evidente quiproquó usado nos nomes dos três personagens masculinos (e nos nomes dos atores que os interpretam), também há uma personagem intrigante, a filha de Marcel, Susannah, interpretada pela jovem Cathryn Harrison, numa manobra do roteiro que alterna o nome das atrizes e personagens que vivem os dois únicos papéis femininos; a encenação metódica contrapõe os atores –e o conceito de seus personagens –o tempo todo; espelhos, vidros, superfícies refratárias e até mesmo o campo e contracampo do filme interferem a todo momento na percepção lúcida da personagem.
E esses reflexos –nos mais diversos níveis e sentidos –serão fundamentais até mesmo no inesperado e potencialmente irônico final.
Quase um filme de terror, mas muitas vezes um drama perspicaz sobre as armadilhas da mente, e acima de tudo um trabalho incategorizável, este filme carrega uma característica bastante singular se comparado à outras obras de Altman: Sua execução se ampara na perícia de outros colaboradores técnicos –aos quais Altman não costuma dar espaço –em especial, à trilha sonora pontual e minimalista de John Williams e à fotografia de Vilmos Zsigmond.
Na filmografia de Robert Altman, “Imagens” encontra paralelo somente no igualmente enigmático perturbador e autoral “Três Mulheres”, onde o diretor também exercita uma notável capacidade –pouco explorada em seus demais filmes, infelizmente –em usar as ferramentas narrativas do cinema para gerar a desconfortável sensação de uma dúvida insolúvel.

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