sexta-feira, 19 de maio de 2017

A Prostituta

A maneira como Ken Russell assumiu a adaptação de uma peça teatral é tão desconcertante quanto as obras mais ácidas que ele realizou ao longo de sua nada usual carreira.
O foco aqui eram os monólogos carregados de desilusão subversiva e linguajar chocante da personagem principal, uma prostituta das ruas às voltas com as imposições tirânicas de seu cafetão, os vícios sórdidos de seus clientes, o patrulhamento moral e opressivo da polícia e toda sorte de perigos e ameaças da vida noturna.
Sua protagonista é o oposto exato da idealizada personagem principal de “Uma Linda Mulher” –filme que, aos olhos de Ken Russell deve ser dos mais absurdos e pedantes –e, para tanto, seu registro das condições miseráveis das ruas é de uma contundência que incomoda o expectador do início ao fim. Nunca o mau gosto deliberado de seu estilo apareceu tão presente e tão determinante do diferencial de seu autor.
Theresa Russel se entrega a uma personagem polêmica, niilista, controversa e –para prejuízo dela própria –essencialmente apática. Talvez, a peça de David Hines tivesse por objetivo lançar uma luz sobre os detalhes mais perniciosos de parias que vivem e sobrevivem seguindo as regras do mundo cão dos subúrbios, porém o texto não consegue estabelecer qualquer empatia entre o público e a protagonista –e isso nunca foi mesmo o forte de Ken Russell como contador de histórias.
Liz é uma garota de programa. Não é nada burra, ela sabe disso. Mas, ainda assim, as condições desfavoráveis de sua vida a levaram a essa situação. Ela passa as madrugadas nas esquinas e nas sarjetas de Los Angeles, mascando chicletes numa atitude quase de desdém em relação ao resto do mundo. Nada lhe inspira empatia. Aos poucos, enquanto revela um pouco de si mesma em meio aos programas que não dão certo e a outros contratempos, descobrimos através de flashbacks que ela teve um filho, um marido violento e uma série de infortúnios, e que a apatia indiferente (e até adolescente) que ela ostenta diante dos revezes que aparecem são meras máscaras para ocultar sua aflição real.
Não há muito sexo no filme de Russell apesar do tema que tem –embora de um linguajar cru e despojado, a intenção do diretor não é concretizar cenas gratuitas de sexualidade, e esta é só mais uma das facetas pelas quais ele demonstra, neste filme, não querer ir de encontro às expectativas do público.
Isso pode ser uma faca de dois gumes: Na mesma medida em que ele revela coragem na construção da estrutura do filme (e a filmografia de Russell é pontuada por obras corajosas), ele também flerta com a execução de um filme que a toda hora ameaça ser frustrante, ultrajante e degradante –características que não parecem lhe incomodar como realizador, mas que certamente afastaram os expectadores e desagradaram boa parte da crítica que repudiou o filme na época de seu lançamento.

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