segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Todas As Cores da Escuridão

Sergio Martino, durante sua prolífica atividade cinematográfica na Itália dos anos 1970, fez de tudo um pouco –e, na maioria das vezes, com sua estrela principal, Edwige Fenech: Comédia, faroestes spaghetti, filmes de terror (os chamados ‘gialli’).
Um trabalho amplamente notável, “Todas As Cores da Escuridão” trazia uma forte (para não dizer nítida!) influência de um grande filme do período, o magistral “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski –na verdade, há aqui elementos deste e dos outros dois filmes que integram a ‘Trilogia do Apartamento’, “Repulsa Ao Sexo” e “O Inquilino”.
Martino, de uma maneira geral, sentia que a restrição de gêneros e sub-gêneros ocasionada no cinema comercial italiano do período engessava a criatividade dos cineastas em geral, e a sua própria em particular. Daí a decisão de filmar “Todas As Cores da Escuridão” em Londres, onde a ambientação não só aproximava seu filme dos saborosos suspenses europeus, como também permitia um ritmo de trabalho e um tom que afastava as comparações com o ‘giallo’ –embora a simples presença de Edwige Fenech já conduzisse a isso.
Ela está magnificamente bela como sempre, talvez, um pouco saudável e formosa demais para o papel protagonista de Jane, uma esposa gradativamente mais e mais perturbada –basta lembrarmos do físico desnutrido e convalido de Mia Farrow em “O Bebê de Rosemary” para termos uma idéia melhor.
Jane é casada com Richard (George Hilton), cujo trabalho como representante de vendas o leva a deixá-la constantemente sozinha em seu apartamento.
Jane não se sente bem.
Na cena que abre o filme já ficamos sabendo –por intermédio de uma seqüência de pesadelo muito bem trabalhada por Martino, e que lembraria alguns trabalhos ainda vindouros de David Lynch –que ela testemunhou o assassinato da própria mãe ainda criança. Um acidente de carro recente, no qual ela teve sua gravidez interrompida, somado às essas memórias terríveis dá o ponto de partida a uma série de neuroses e paranóias que, em princípio, todos os personagens coadjuvantes (seu marido, seu analista, sua irmã que, alías, é secretária do analista...) passam o filme inteiro insistindo que tudo ocorre só em sua mente.
Nesse sentido, se a direção de fotografia concebe cenas maravilhosas e a narrativa de Martino conduz tudo com uma parcimônia eficaz e apropriada, ele ocasionalmente deixa-se fascinar demais pelo belo filme que constrói com essa premissa –a estrutura de roteiro na qual Jane tenta provar que seus temores não são frutos da sua imaginação (incluindo aí as aparições ameaçadoras de um estranho de olhos azuis fantasmagoricamente vivido por Ivan Rassimov) e não recebe o crédito de ninguém se repete com tanta freqüência que a trama fica um pouco irritante. Sendo esse aspecto, sobretudo, prejudicial para o personagem de George Hilton, que parece um idiota o filme todo inventando desculpas, que soam muitas vezes esfarrapadas, para deixar sozinha em casa uma mulher esplêndida como Edwige Fenech.
Ela procura assim o auxílio de uma vizinha, Mary (Mariana Malfatti), que ao se mostrar solícita conduz Jane a um estranho ritual onde afirma que seus temores e perturbações serão excomungados.
Carregado de indícios satanistas –e também ele muito similar à uma grande cena de “O Bebê de Rosemary” –o ritual induz Jane à promiscuidade (no início, beijando todos os membros da seita, homens e mulheres) de modo cada vez mais contundente (ela termina fazendo sexo sistematicamente com o suposto sacerdote bizarramente interpretado por Julian Ugarte).
Contudo, as aparições do homem de olhos azuis não cessam. E nem os tormentos a que Jane será exposta: Novas revelações se acumularão até o final –algumas um tanto implausíveis como é quase tradição em filmes de terror italianos –e Jane descobrirá que todas as pontas soltas de sua aflição, sejam as reais e as irreais, convergem numa espécie de conspiração vinda de onde ela menos poderia esperar.
Colocado lado a lado com “No Quarto Escuro de Satã” –filme que, logo no mesmo ano, Martino lançou posteriormente a este –o bom trabalho executado por Martino evidencia os artifícios válidos que ele adotou para fugir dos clichês mais redundantes do sub-gênero. Em ambos os filmes, as relações problemáticas e a tensão doméstica ganham mais atenção da narrativa do que a questão –central ao ‘giallo’ –de ‘quem seria o assassino’.
Martino sabia trabalhar essas dinâmicas entre personagens em função de uma narrativa um pouco mais mirabolante, e ainda podia contar com a beleza estupenda de Edwige Fenech em cena.
Para quê mais?

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