segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Tropa de Elite

O cinema nacional sempre foi vítima do preconceito de seu próprio público. Muitas vezes, o argumento é sempre de que a qualidade do cinema brasileiro dificilmente iguala a do cinema norte-americano.
“Tropa de Elite”, de José Padilha, é uma forte objeção contra tal argumento.
Também é um triste indicativo do quão pouco interessado o povo brasileiro está em se manter leal às mídias legítimas: É notória a história de como o filme foi visto praticamente pelo país inteiro, em cópias piratas, antes mesmo de sua estréia nos cinemas.
A qualidade indiscutível do trabalho de Padilha –que em nada deve aos melhores filmes norte-americanos –contudo, foi motivo de sobra para que ele também se tornasse um sucesso oficial de bilheteria. Não é à toa: Como Fernando Meirelles em “Cidade de Deus” cerca de três anos antes, Padilha impõe uma técnica e um estilo que enfatiza cenas de ação prodigiosamente bem dirigidas, num roteiro brilhante com grandes personagens e todas as arestas narrativas devidamente aparadas.
Um atestado do quão brilhante pode ser o nosso cinema.
O ano é 1997. Roberto Nascimento (Wagner Moura, uma força da natureza), veterano capitão do B.O.P.E. é então incumbido de preparar a chegada do papa João Paulo II ao Brasil, garantindo a segurança nas favelas cariocas. Ao mesmo tempo, ele é pressionado pela esposa, grávida do primeiro filho do casal, a abandonar o batalhão e a vida extremamente perigosa de policial em favor de um cargo mais confortável e seguro de gabinete.
Para um policial genuinamente honesto e honrado, contudo, tal tarefa, no corrupto sistema brasileiro, é ingrata. Ainda assim, Nascimento sonha para seus substitutos dois jovens recrutas de temperamentos diferentes quase opostos, também eles policiais que se ressentiram com a imoralidade do meio e buscaram, na rigidez do B.O.P.E., uma maneira de cumprir seu dever adequadamente.
São esses dois recrutas, Neto (o ótimo Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro), quem a narrativa irá acompanhar com mais ênfase, mas é o Capitão Nascimento, na atuação poderosa e fulgurante de Wagner Moura, quem irá roubar todas as cenas para si como o grande e verdadeiro protagonista do filme.
O roteiro de Bráulio Montovani e Rodrigo Pimentel e a direção de Padilha não se acomodam nas espetaculares cenas de ação e de tiroteio, concebendo uma trama absorvente pontuada pela envolvente narração em off de Wagner Moura e por uma sucessão de seqüências absolutamente antológicas: A cena tensa e vertiginosa do tiroteio na favela que abre o filme; a seleção e o treinamento dos recrutas, penoso e exaustivo –e paradoxalmente eletrizante –os flagrantes absurdos (e apesar disso, engraçados) da corrupção policial; a discussão dentro da sala de aula (onde Matias esconde de todos os colegas que é policial), e a sutil observação de Padilha em torno da inversão de valores entre bandidos e policias perpetrada pela sociedade e as inúmeras frases que se tornaram bordões populares (“Missão dada é missão cumprida”, “Pede pra sair!”, “Bota na conta do Papa.”)..
Ao conceber um retrato do Brasil despido de fragilidades técnicas e artísticas e criar uma obra de ressonância ética onde enfim a platéia é levada a torcer pelo lado certo, Padilha realizou uma obra de cinema nacional do mais altíssimo nível e de uma enorme repercussão popular.

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