O cinema nacional sempre foi vítima do preconceito
de seu próprio público. Muitas vezes, o argumento é sempre de que a qualidade
do cinema brasileiro dificilmente iguala a do cinema norte-americano.
“Tropa de Elite”, de José Padilha, é uma forte
objeção contra tal argumento.
Também é um triste indicativo do quão pouco
interessado o povo brasileiro está em se manter leal às mídias legítimas: É
notória a história de como o filme foi visto praticamente pelo país
inteiro, em cópias piratas, antes mesmo de sua estréia nos cinemas.
A qualidade indiscutível do trabalho de Padilha
–que em nada deve aos melhores filmes norte-americanos –contudo, foi motivo de
sobra para que ele também se tornasse um sucesso oficial de bilheteria. Não é à
toa: Como Fernando Meirelles em “Cidade de Deus” cerca de três anos antes,
Padilha impõe uma técnica e um estilo que enfatiza cenas de ação
prodigiosamente bem dirigidas, num roteiro brilhante com grandes personagens e
todas as arestas narrativas devidamente aparadas.
Um atestado do quão brilhante pode ser o nosso
cinema.
O ano é 1997. Roberto Nascimento (Wagner Moura,
uma força da natureza), veterano capitão do B.O.P.E. é então incumbido de
preparar a chegada do papa João Paulo II ao Brasil, garantindo a segurança nas
favelas cariocas. Ao mesmo tempo, ele é pressionado pela esposa, grávida do
primeiro filho do casal, a abandonar o batalhão e a vida extremamente perigosa
de policial em favor de um cargo mais confortável e seguro de gabinete.
Para um policial genuinamente honesto e
honrado, contudo, tal tarefa, no corrupto sistema brasileiro, é ingrata. Ainda
assim, Nascimento sonha para seus substitutos dois jovens recrutas de temperamentos
diferentes quase opostos, também eles policiais que se ressentiram com a
imoralidade do meio e buscaram, na rigidez do B.O.P.E., uma maneira de cumprir
seu dever adequadamente.
São esses dois recrutas, Neto (o ótimo Caio
Junqueira) e Matias (André Ramiro), quem a narrativa irá acompanhar com mais
ênfase, mas é o Capitão Nascimento, na atuação poderosa e fulgurante de Wagner
Moura, quem irá roubar todas as cenas para si como o grande e verdadeiro
protagonista do filme.
O roteiro de Bráulio Montovani e Rodrigo
Pimentel e a direção de Padilha não se acomodam nas espetaculares cenas de ação
e de tiroteio, concebendo uma trama absorvente pontuada pela envolvente
narração em off de Wagner Moura e por uma sucessão de seqüências absolutamente
antológicas: A cena tensa e vertiginosa do tiroteio na favela que abre o filme;
a seleção e o treinamento dos recrutas, penoso e exaustivo –e paradoxalmente
eletrizante –os flagrantes absurdos (e apesar disso, engraçados) da corrupção
policial; a discussão dentro da sala de aula (onde Matias esconde de todos os
colegas que é policial), e a sutil observação de Padilha em torno da inversão
de valores entre bandidos e policias perpetrada pela sociedade e as inúmeras
frases que se tornaram bordões populares (“Missão dada é missão cumprida”,
“Pede pra sair!”, “Bota na conta do Papa.”)..
Ao conceber um retrato do Brasil despido de
fragilidades técnicas e artísticas e criar uma obra de ressonância ética onde
enfim a platéia é levada a torcer pelo lado certo, Padilha realizou uma obra de
cinema nacional do mais altíssimo nível e de uma enorme repercussão popular.
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