Do alto de seus 79 anos de idade, o diretor
holandês Paul Verhoeven ainda guarda fôlego e ânimo para algumas traquinagens.
Cerca de seis anos depois de seu “A Espiã” –onde revisitava com perícia e
habilidade um tema que ele havia explorado muito bem no fim da década de 1970,
com “Soldado de Laranja” –ele criou este pequeno e até certo ponto experimental
conto sobre adultério e mentiras, destituído do drama comiserativo que nove
entre cada dez cineastas imprimem ao tema: No filme que Verhoeven construiu,
prima o humor, ainda que esta não seja uma comédia. É, na realidade, a vida em
seus inescapáveis rompantes de ridículo a que todos estamos expostos, e sob a
luz dessa reflexão, Verhoeven passeia por diversos gêneros com tal agilidade
desenvoltura que é de se lamentar o intervalo notadamente longo que ele tem
entre um projeto e outro.
Remco (Peter Blok) é um pai de família holandês
que administra –de maneira um tanto quanto mais idealista do que seus sócios
–uma empresa de construção. E Remco, como ficará evidente mais a frente, é do
tipo que, digamos, não resiste a um rabo de saia.
Quando o filme começa somos arremessados nos
preparativos de seu aniversário de 50 anos e, assim sendo, no turbilhão de
folhetim que envolve sua vida: Sua esposa Ineke (Ricky Koole), ainda que
amargurada pelas escancaradas traições do marido, está disposta a prosseguir
com a festa; sua filha Lieke (Carolien Spoor), a revolta em pessoa, tem na
amiga Merel (a pra lá de deliciosa Gaite Jansen) a única pessoa em quem confiar
–isso pelo menos até ela descobrir que Merel é mais uma das amantes de seu
insaciável pai! Já, o filho de Remco, Tobias (Robert de Hoog), divide-se entre
o hobby da fotografia –que ele adora –o flerte constante com Merel –que ele
deseja –e uma indiferença para com tudo o mais.
Na ciranda de meias verdades que envolvem estes
personagens outros aparecem para intensificá-la: Wim (Jochum ten Haaf), o sócio
dissimulado e traiçoeiro de Remco que pretende vender a empresa à revelia dele
e Nadja (Sallie Harmsen), a outrora amante de Remco que após uma viagem de
alguns meses ao Japão retorna grávida, para o constrangimento de todos.
Com esse enredo, que muitos diretores usariam
como base para um filme longo, lamurioso e arrastado, Verhoeven cria um
média-metragem (somente cinqüenta e seis minutos de duração) pulsante, sensual
e engraçado.
Parece ser uma experimentação de sua parte: Uma
narrativa com câmera digital na mão, de um ritmo ágil e dinâmico onde as
intrigas novelescas não têm tempo de se tornarem modorrentas. Talvez, o holandês
maluco tenha feito este singelo, mas admirável trabalho para reencontrar sua
capacidade peculiar de rastrear na disfunção corriqueira e na dramaticidade
suburbana as fissuras nas quais injeta doses maciças de humor, inteligência e
malícia.
Um irresistível exercício
de estilo que serviu de trampolim temático e narrativo para ele conceber um dos
grandes filmes de sua carreira: O magistral e elogiado “Elle”, com Isabelle
Hupert.
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