A escolha do diretor australiano Bruce Beresford
para dar seqüência ao seu premiado “Conduzindo Miss Daisy” foi audaz; ele
enveredou para o norte, nas imediações do Alasca e, em termos cronológicos,
regressou ao ano de 1734, para retratar a brutal rotina de missionários que
arcaram com a árdua tarefa de levar o catolicismo aos indígenas nativos
daquelas montanhas.
Ao contrário de “A Missão”, ou “Dança ComLobos”, onde a relação entre os brancos e os índios é definida por grande
camaradagem de ambas as partes, o filme de Beresford se propõe contundente no
registro hostil do repúdio que as comunidades mais longínquas de nativos
possuíam pelos invasores –a história mostra que eles não estavam tão errados
assim nesse julgamento.
O martirizado Laforgue (Lothaire Bluteau, de
“Jesus de Montreal”) é um desses missionários. Ciente –e ocasionalmente
angustiado –das profundas renúncias materiais, físicas e afetivas que sua
escolha teológica lhe impôs, ele vai para as fronteira do Canadá, onde os
católicos encontram resistência entre o estranhamento natural e a repulsa
completa para pregar sua crença aos habitantes regionais. Uma cena é
particularmente ilustrativa dessa circunstância: Agrupados e boquiabertos
dezenas de indígenas contemplam um relógio como quem observa um maquinário
alienígena, apenas aguardando o momento em que verão, estupefatos, o ponteiro
dos minutos realizar um tímido movimento.
Crédulo da benevolência de sua missão, Laforgue
acompanha uma expedição que adentra os territórios inóspitos e inexplorados do
Canadá, onde residem tribos tão perigosas quanto primitivas. Em meio ao
igualmente pouco civilizado grupo (eram, afinal, homens desbravadores do século
XVIII) está o único amigo de Laforgue, Daniel (Aden Young), e a índia Annuka
(Sandrine Holt, de “Rapa Nui-Uma Aventura No Paraíso”, belíssima) que exerce em
todos uma atração de diferentes repercussões: Para Laforgue, ela é ali, a fonte
de suas mais indeléveis tentações; para Daniel, que vê seus avanços serem
correspondidos, ela é o fogo que o aquece naquele mundo gelado; e para o
restante da expedição, ela representa duas inspirações conflitantes –um
indivíduo que desejam por sua formosura de mulher, mas que rechaçam por sua
etnia compartilhada com o inimigo.
Sequer há tempo de Beresford explorar essa rica
dinâmica: Em terras desconhecidas, o grupo é atacado, dizimado e, logo,
reduzido aos poucos protagonistas. Estes experimentam formas ainda mais brutais
de tortura e violação quando são feitos prisioneiros dos indígenas.
A virtude de “Hábito Negro” está na autenticidade
com que ele se despe de posturas ideológicas: Não é nem uma denúncia da ação
nefasta dos colonizadores contra a cultura nativa (por sinal, viés atrelado à
“A Missão” e “Dança Com Lobos”); nem tampouco uma vilanização unilateral dos
índios (caso de boa parte dos faroestes da Velha Hollywood). Na humanização
exemplar que pratica de seus personagens, o filme de Beresford observa a
realidade como um conjunto de forças em choque, tão mais terrível e
irreversível, quando tais forças se afastam da civilização e imbricam, mesmo
que norteadas por doutrinas racionais, por fronteiras de imprevisíveis
dicotomias.
Por isso mesmo, pela
riqueza de sua análise, o final de “Hábito Negro” não oferece qualquer alento,
apropriadamente, abandonando seus personagens no ponto mais ameno que sua
transtornada odisséia foi capaz de encontrar.
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