sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O Dia da Besta


O segundo filme do diretor espanhol Alex de La Iglesias bebe consideravelmente da fonte de “Dom Quixote”, de Cervantes, para estruturar sua história e seus personagens.
Movido por uma certa graça atrapalhada em meio à escuridão natural da narrativa de terror, o protagonista Padre Angel (Alex Ângulo, excelente) tem, em sua abissal ingenuidade, uma ideia que em princípio soa estapafúrdia: Passar a praticar todo o tipo de mal para que, aos poucos, ganhe a confiança do Diabo (!).
A razão: Na véspera do dia de Natal, ele crê, baseado em décadas de estudo dos textos do Apocalipse de São João, que o Anti-Cristo nascerá em Madri acarretando o Apocalypse e o fim do mundo.
O plano do sacerdote é assim se desviar deliberadamente do bom caminho, como uma espécie de infiltrado, e adquirir informações de onde se dará tal nascimento –e então interrompê-lo!
Em sua busca, esse Dom Quixote inserido num contexto mirabolante e macabro não deixa de encontrar seu Sancho Pança; numa loja de discos de heavy metal –já que corre a lenda que, se ouvidos no reverso, essas músicas de rock pesado contêm instruções satânicas –ele conhece José Maria (Santiago Segura, divertidíssimo), um metaleiro boa-praça que logo se torna seu parceiro.
Conforme conclui que precisa realizar um pacto com o Diabo, a fim de estreitar tais relações, o Padre Angel se deparar com outro personagem fundamental da trama: O apresentador charlatão, especialista em atividades sobrenaturais, Prof. Cavan (Armando de Razza que completa o brilhante trio de ótimos protagonistas); há, por sinal, uma cena muito curiosa para nós, brasileiros, em que ele realizado um exorcismo televisionado num garotinho. Durante a cena em questão, a câmera chega a mostrar um poster da Xuxa na parede da criança –vale lembrar que houve, nos anos 1990, um rumor um tanto quanto cheio de maldade e superstição envolvendo satanismo e a apresentadora (!).
No entanto, de modo geral pode-se afirmar que o filme de Iglesias se desenha mais em torno de uma narrativa frenética e alucinante que de uma atmosfera assustadora de fato –embora elementos para isso não faltem ao filme –mas, não há como negar o poder extraordinariamente envolvente de seu trabalho e o fato até corajoso de que no expediente que emprega para ser o filme de terror que é, “O Dia da Besta”, ao contrário de outros filmes metidos à sério, não teme ir no âmago das crenças e nos medos subconscientes do público (ou de grande parte do público), colocando o próprio Capeta como um dos grandes antagonistas de sua premissa.
Essa e outras escolhas incisivas fazem dele uma das obras-primas do gênero nos anos 1990.

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