O segundo filme do diretor espanhol Alex de La
Iglesias bebe consideravelmente da fonte de “Dom Quixote”, de Cervantes, para
estruturar sua história e seus personagens.
Movido por uma certa graça atrapalhada em meio
à escuridão natural da narrativa de terror, o protagonista Padre Angel (Alex
Ângulo, excelente) tem, em sua abissal ingenuidade, uma ideia que em princípio
soa estapafúrdia: Passar a praticar todo o tipo de mal para que, aos poucos,
ganhe a confiança do Diabo (!).
A razão: Na véspera do dia de Natal, ele crê,
baseado em décadas de estudo dos textos do Apocalipse de São João, que o
Anti-Cristo nascerá em Madri acarretando o Apocalypse e o fim do mundo.
O plano do sacerdote é assim se desviar
deliberadamente do bom caminho, como uma espécie de infiltrado, e adquirir
informações de onde se dará tal nascimento –e então interrompê-lo!
Em sua busca, esse Dom Quixote inserido num
contexto mirabolante e macabro não deixa de encontrar seu Sancho Pança; numa
loja de discos de heavy metal –já que corre a lenda que, se ouvidos no reverso,
essas músicas de rock pesado contêm instruções satânicas –ele conhece José Maria (Santiago
Segura, divertidíssimo), um metaleiro boa-praça que logo se torna seu parceiro.
Conforme conclui que precisa realizar um pacto
com o Diabo, a fim de estreitar tais relações, o Padre Angel se deparar com
outro personagem fundamental da trama: O apresentador charlatão, especialista
em atividades sobrenaturais, Prof. Cavan (Armando de Razza que completa o
brilhante trio de ótimos protagonistas); há, por sinal, uma cena muito curiosa
para nós, brasileiros, em que ele realizado um exorcismo televisionado num
garotinho. Durante a cena em questão, a câmera chega a mostrar um poster da
Xuxa na parede da criança –vale lembrar que houve, nos anos 1990, um rumor um
tanto quanto cheio de maldade e superstição envolvendo satanismo e a
apresentadora (!).
No entanto, de modo geral pode-se afirmar que o
filme de Iglesias se desenha mais em torno de uma narrativa frenética e
alucinante que de uma atmosfera assustadora de fato –embora elementos para isso
não faltem ao filme –mas, não há como negar o poder extraordinariamente
envolvente de seu trabalho e o fato até corajoso de que no expediente que
emprega para ser o filme de terror que é, “O Dia da Besta”, ao contrário de
outros filmes metidos à sério, não teme ir no âmago das crenças e nos medos
subconscientes do público (ou de grande parte do público), colocando o próprio
Capeta como um dos grandes antagonistas de sua premissa.
Essa e outras escolhas incisivas fazem dele uma
das obras-primas do gênero nos anos 1990.
Nenhum comentário:
Postar um comentário