terça-feira, 13 de novembro de 2018

O Martelo das Bruxas


Das últimas obras a integrar o movimento cinematográfico da nouvelle vague tcheca, “O Martelo das Bruxas”, de Otakar Vávra, se inicia com várias cenas excitantes e fascinantes: O diretor lança mão da bela nudez de suas atrizes para ilustrar o desejo enxergado pelos homens do período da Inquisição como uma afronta do Diabo e não um mero instinto da natureza.
Talvez, por esse início prazeroso, tem-se a impressão que o filme seguirá rumos afáveis para com o expectador.
Não poderia haver engano maior.
A partir de então, debruçado sobre os eventos reais, transcritos (segundo os créditos iniciais anunciam) de documentos detalhados da Idade Média, o filme se concentra numa pequena aldeia tcheca em meados de 1680 onde a atitude prolixa de uma mendiga anciã –ela guardou uma hóstia da igreja na intenção de dá-la, depois, para uma vaca comer –desperta indignação da classe elevada.
Temerosos de bruxaria –a superstição que acionava a paranoia da época –eles clamam pela presença de um inquisidor, uma figura que saiba lidar de maneira digamos profissional com tal ocorrido.
O inquisidor em questão acaba sendo um medíocre e envelhecido dono de uma taverna. Também a aparência de camponês insignificante nesse personagem é enganosa: Tão logo ele é conduzido à aldeia para dar início a uma espécie de investigação, o homem logo é transfigurado pelo poder.
Do ser desprezível que era antes, seu rancor agora quer se valer do temor que sua ocupação pode inferir em todos os cidadãos –mesmo os mais respeitáveis –para subjugar a todos eles, dobrando-os com o medo de serem condenados hereges, encarar dias ininterruptos de tortura desumana e, por fim, queimar na fogueira.
De sua sanha, certamente, não escapam as mais belas mulheres do vilarejo que são acusadas de bruxaria para sofrer humilhações, maus-tratos e estupros nas mãos de todos os agentes que servem o inquisidor.
Da forma como é construído, o filme de Otakar Vávra desperta uma indignação irreprimível pela ordem vigente e pelos absurdos bárbaros que ela permitia, potencializando esse desagrado pela lembrança constante de que tudo o que se mostra é reconstituído de maneira muito fiel aos relatos verídicos.
Ao ater-se no caráter genuinamente vilanesco do personagem do Inquisidor, em expedientes quase românticos envolvendo um dos protagonistas e sua jovem e belíssima empregada, e até mesmo na condução cautelosa dos eventos, a narrativa parece sugerir ao expectador que uma redenção, em algum momento virá, com os terrivelmente corruptos ganhando seu devido castigo, mas não é o que acontece: Ainda que bem menos virtuosístico e mais contido no que tange ao choque visual, o diretor Otakar Vávra se mostra tão corrosivo para com as expectativas do público quanto Ken Russel no primorosamente perturbador “Os Demônios”.

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