Das últimas obras a integrar o movimento cinematográfico
da nouvelle vague tcheca, “O Martelo das Bruxas”, de Otakar Vávra, se inicia
com várias cenas excitantes e fascinantes: O diretor lança mão da bela nudez de
suas atrizes para ilustrar o desejo enxergado pelos homens do período da
Inquisição como uma afronta do Diabo e não um mero instinto da natureza.
Talvez, por esse início prazeroso, tem-se a
impressão que o filme seguirá rumos afáveis para com o expectador.
Não poderia haver engano maior.
A partir de então, debruçado sobre os eventos
reais, transcritos (segundo os créditos iniciais anunciam) de documentos
detalhados da Idade Média, o filme se concentra numa pequena aldeia tcheca em
meados de 1680 onde a atitude prolixa de uma mendiga anciã –ela guardou uma
hóstia da igreja na intenção de dá-la, depois, para uma vaca comer –desperta
indignação da classe elevada.
Temerosos de bruxaria –a superstição que
acionava a paranoia da época –eles clamam pela presença de um inquisidor, uma
figura que saiba lidar de maneira digamos profissional com tal ocorrido.
O inquisidor em questão acaba sendo um medíocre
e envelhecido dono de uma taverna. Também a aparência de camponês
insignificante nesse personagem é enganosa: Tão logo ele é conduzido à aldeia
para dar início a uma espécie de investigação, o homem logo é transfigurado
pelo poder.
Do ser desprezível que era antes, seu rancor
agora quer se valer do temor que sua ocupação pode inferir em todos os cidadãos
–mesmo os mais respeitáveis –para subjugar a todos eles, dobrando-os com o medo
de serem condenados hereges, encarar dias ininterruptos de tortura desumana e,
por fim, queimar na fogueira.
De sua sanha, certamente, não escapam as mais
belas mulheres do vilarejo que são acusadas de bruxaria para sofrer
humilhações, maus-tratos e estupros nas mãos de todos os agentes que servem o
inquisidor.
Da forma como é construído, o filme de Otakar
Vávra desperta uma indignação irreprimível pela ordem vigente e pelos absurdos
bárbaros que ela permitia, potencializando esse desagrado pela lembrança
constante de que tudo o que se mostra é reconstituído de maneira muito fiel aos
relatos verídicos.
Ao ater-se no caráter genuinamente vilanesco do
personagem do Inquisidor, em expedientes quase românticos envolvendo um dos
protagonistas e sua jovem e belíssima empregada, e até mesmo na condução
cautelosa dos eventos, a narrativa parece sugerir ao expectador que uma
redenção, em algum momento virá, com os terrivelmente corruptos ganhando seu
devido castigo, mas não é o que acontece: Ainda que bem menos virtuosístico e
mais contido no que tange ao choque visual, o diretor Otakar Vávra se mostra
tão corrosivo para com as expectativas do público quanto Ken Russel no
primorosamente perturbador “Os Demônios”.
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