terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O Andarilho

Grande nome do terror espanhol nos anos 1970, o diretor e ator Jacinto Molina –ou Paul Naschy –sempre afirmou em entrevistas enxergar nesta obra seu melhor filme.
Ele, na verdade, corresponde ao estilo e ao nível de qualidade, que ele manteve na maioria de seus trabalhos, trazendo como diferencial, uma inesperada reflexão moral que une habilmente cinismo, desencanto e inclinações religiosas muito particulares.
Na Europa Medieval, um andarilho chamado Leonardo (Paul Naschy) vive suas aventuras sempre pontuadas por sua falta de escrúpulos e por uma moral absolutamente torpe: No início, ele cruza-se com outro caminhante, como ele, que compartilha um pedaço de carne só para ser atacado e morto na primeira indisposição em sua conversa. Em seguida, ele encontra um jovem servo e seu senhor, idoso e cego. Leonardo convence Tomás (David Rocha), o jovem, a trair seu amo e juntar-se a ele. Os dois seguem em direção à residência de um casal de camponeses benevolentes, contudo, Leonardo retribui a hospitalidade deles dormindo com a jovem esposa (o filme de Naschy não poupa a nudez das atrizes), para logo mais roubá-la e esfaqueá-la (!).
De lá, eles vão para uma mansão onde a proprietária viúva (a bela Sara Lezana), amarga uma doença aparentemente incurável da filha pequena. Leonardo –que, à essas alturas, já dá inúmeros indícios de sua natureza diabólica ao expectador –afirma ser um curandeiro desde que a senhora lhe pague, pela vida da filha, com uma noite de amor, em desonra à memória do marido falecido.
A profanação presente na trajetória desse personagem só se intensifica quando ele chega, ao lado de Tomás, em um monastério, onde se faz passar por monge para ajudar freiras que creem estar sendo afrontadas por demônios: O alvo para sua lascívia será a belíssima Madre Superiora (Blanca Estrada).
Em seguida, Leonardo e Tomás vão parar em um bordel onde caem nas graças das prostitutas e passam a trabalhar junto delas, usufruindo de seus ‘serviços ocasionais’. A faceta satânica de Leonardo fica mais clara para Tomás quando ele vende o próprio amigo sem um pingo de remorso para as fantasias depravadas de um ricaço libidinoso.
É um Dom Quixote deturpado, amoral e de perversidade implacável este protagonista que Naschy parece nos impor com tanto entusiasmo. No entanto, o diretor ratifica que a maldade dele só encontra paralelos à maldade aleatória dos próprios seres humanos que encontra pelo caminho: Tal e qual as vítimas que deixa para trás, o Diabo de Naschy também sangra, sente dor e fome –está, assim, sujeito a todas as mazelas humanas exatamente por almejar os mesmos prazeres fugazes: A luxúria, o hedonismo e a impunidade.
Numa das mais notáveis cenas, Tomás reflete sobre o descaso imutável de todos com quem vinham se cruzando, e Leonardo lhe promete um sonho no qual irá vislumbrar o futuro da raça humana. O assombrado jovem sonha então com visões que nada mais são do que sequências em preto & branco extraídas de um documentário real sobre a Guerra e o Holocausto.
A visão de mundo de Paul Naschy pode até ser implacável, pessimista e irredutível, mas pelo menos ela vem temperada com um atenuante senso de humor –ainda que macabro.

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