José Emilio Rondeau ficou mais conhecido como
colaborador na extinta revista “SET”, um paraíso de informação para cinéfilos
que cresceram nos anos 1980 e 90.
O que talvez muitos não saibam é que, em meados
de 2005, ele (que já havia dirigido um ou outro clipe musical) arregaçou as
mangas e foi exercer o ofício sobre o qual tanto refletiu em suas matérias,
junto da também jornalista Ana Maria Bahiana (que assume a produção ao lado de
Tarcísio Vidigal). O resultado é este belo “1972” que deixa transparecer muito
do fascínio de seus realizadores pela própria mecânica do cinema.
Também encarregados do roteiro, Rondeau e
Bahiana se valem de seu amplo conhecimento artístico, também da área da música,
para colocar na boca de seus protagonistas uma série de considerações elaboradas
sobre o rock que era ouvido e cantado no início dos anos 1970; numa manobra que
só não remete ao sensacional “Quase Famosos”, de Cameron Crowe, porque os
jovens intérpretes não conseguem dar conta do recado.
“1972” gira em torno dos encontros e
desencontros entre Snoopy (Rafel Rocha) e Júlia (a bela Dandara Guerra, filha
da atriz Claudia Ohana, com quem é bem parecida, e do cineasta Ruy Guerra).
Ele, jovem sonhador que almeja o sucesso ao
lado dos amigos como uma banda de rock sob o jugo ameaçador da ditadura
militar. Ela, aspirante a crítica de música e avessa aos contratempos do amor.
Ambos intoxicados pela cultura hippie de então.
Snoopy e Júlia se encontram quando vão à uma
exibição do documentário “Gimme Shelter” (uma das muitas referências contidas
no filme) e precisam todos fugir de um camburão cheio de policiais truculentos
–não há qualquer sutileza na caracterização da polícia militar do período,
fruto de certo maniqueísmo dos realizadores e de alguns traquejos herdados nos
cinema dos anos 1990. Essa tendência, até bastante comum em nosso cinema, só é
um pouco quebrada com o ótimo personagem do carismático Tony Tornado,
inicialmente um frequentador de bar com ares poéticos que se revela um coronel
do exército desiludido e desencantado com a brutalidade de seu ofício.
Snoopy se surpreende com Júlia –a primeira
garota a entender mais de rock’n roll que ele! –e logo por ela apaixona-se.
Snoopy tem que disputar Júlia com o engomadinho Ciro (Fábio Azevedo) que, ao
dar-se conta da predileção dela por Snoopy, se converte no vilão genérico e
rancoroso da história.
A orbitar o romance dos dois, seus sonhos e
inspirações tão característicos da época em que se inserem, com alguma ênfase
na trajetória titubeante da banda Vide Bula, formada por Snoopy e seus grandes
amigos, Zé (Bem Gil) e Ricardinho Zepelim (Dudu Azevedo).
A trama de “1972”, pelo menos no ângulo em que
aborda as esperanças e frustrações dos músicos iniciantes, é inspirada na banda
real, A Bolha, que teria servido de base ao roteiro de José Emilio Rondeau –a
banda verdadeira, por sinal, reuniu-se mais uma vez, décadas depois para uma
breve cena no filme.
Agradável em sua evocação
idealizada de toda a nostalgia inerente à recriação de época (e ao próprio
gênero de comédia romântica que evoca), o filme de Rondeau se mostra embriagado
de uma juventude que cantava, engajada, as mazelas sociais, sentimentais e
morais de seu tempo –e que hoje soa tremendamente distinta da geralmente
apática juventude atual –dentro desse contexto, a superficialidade de seu
romance e seus desenlaces pra lá de ingênuos (decalcados de inúmeros outros
similares) não chegam a incomodar, mas também não o valorizam, principalmente
porque as caras jovens e fotogênicas dos protagonistas nem sempre se encarregam
de interpretar satisfatoriamente os personagens e suas falas (algumas
declamadas com nítida artificialidade), nesse sentido, o destaque fica por
conta das pontas ocasionais em uma, duas ou três cenas de atores mais
experientes e capazes, como Lúcio Mauro Filho, Louise Cardoso e Elizângela, todos
trazidos à produção certamente devido ao reconhecimento de José Emilio Rondeau
e Ana Maria Bahiana no meio artístico.
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