segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

1972

José Emilio Rondeau ficou mais conhecido como colaborador na extinta revista “SET”, um paraíso de informação para cinéfilos que cresceram nos anos 1980 e 90.
O que talvez muitos não saibam é que, em meados de 2005, ele (que já havia dirigido um ou outro clipe musical) arregaçou as mangas e foi exercer o ofício sobre o qual tanto refletiu em suas matérias, junto da também jornalista Ana Maria Bahiana (que assume a produção ao lado de Tarcísio Vidigal). O resultado é este belo “1972” que deixa transparecer muito do fascínio de seus realizadores pela própria mecânica do cinema.
Também encarregados do roteiro, Rondeau e Bahiana se valem de seu amplo conhecimento artístico, também da área da música, para colocar na boca de seus protagonistas uma série de considerações elaboradas sobre o rock que era ouvido e cantado no início dos anos 1970; numa manobra que só não remete ao sensacional “Quase Famosos”, de Cameron Crowe, porque os jovens intérpretes não conseguem dar conta do recado.
“1972” gira em torno dos encontros e desencontros entre Snoopy (Rafel Rocha) e Júlia (a bela Dandara Guerra, filha da atriz Claudia Ohana, com quem é bem parecida, e do cineasta Ruy Guerra).
Ele, jovem sonhador que almeja o sucesso ao lado dos amigos como uma banda de rock sob o jugo ameaçador da ditadura militar. Ela, aspirante a crítica de música e avessa aos contratempos do amor. Ambos intoxicados pela cultura hippie de então.
Snoopy e Júlia se encontram quando vão à uma exibição do documentário “Gimme Shelter” (uma das muitas referências contidas no filme) e precisam todos fugir de um camburão cheio de policiais truculentos –não há qualquer sutileza na caracterização da polícia militar do período, fruto de certo maniqueísmo dos realizadores e de alguns traquejos herdados nos cinema dos anos 1990. Essa tendência, até bastante comum em nosso cinema, só é um pouco quebrada com o ótimo personagem do carismático Tony Tornado, inicialmente um frequentador de bar com ares poéticos que se revela um coronel do exército desiludido e desencantado com a brutalidade de seu ofício.
Snoopy se surpreende com Júlia –a primeira garota a entender mais de rock’n roll que ele! –e logo por ela apaixona-se. Snoopy tem que disputar Júlia com o engomadinho Ciro (Fábio Azevedo) que, ao dar-se conta da predileção dela por Snoopy, se converte no vilão genérico e rancoroso da história.
A orbitar o romance dos dois, seus sonhos e inspirações tão característicos da época em que se inserem, com alguma ênfase na trajetória titubeante da banda Vide Bula, formada por Snoopy e seus grandes amigos, Zé (Bem Gil) e Ricardinho Zepelim (Dudu Azevedo).
A trama de “1972”, pelo menos no ângulo em que aborda as esperanças e frustrações dos músicos iniciantes, é inspirada na banda real, A Bolha, que teria servido de base ao roteiro de José Emilio Rondeau –a banda verdadeira, por sinal, reuniu-se mais uma vez, décadas depois para uma breve cena no filme.
Agradável em sua evocação idealizada de toda a nostalgia inerente à recriação de época (e ao próprio gênero de comédia romântica que evoca), o filme de Rondeau se mostra embriagado de uma juventude que cantava, engajada, as mazelas sociais, sentimentais e morais de seu tempo –e que hoje soa tremendamente distinta da geralmente apática juventude atual –dentro desse contexto, a superficialidade de seu romance e seus desenlaces pra lá de ingênuos (decalcados de inúmeros outros similares) não chegam a incomodar, mas também não o valorizam, principalmente porque as caras jovens e fotogênicas dos protagonistas nem sempre se encarregam de interpretar satisfatoriamente os personagens e suas falas (algumas declamadas com nítida artificialidade), nesse sentido, o destaque fica por conta das pontas ocasionais em uma, duas ou três cenas de atores mais experientes e capazes, como Lúcio Mauro Filho, Louise Cardoso e Elizângela, todos trazidos à produção certamente devido ao reconhecimento de José Emilio Rondeau e Ana Maria Bahiana no meio artístico.

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