A trilha sonora de Alex North, de insuspeita
grandiosidade sinfônica, havia sido desenvolvida para “2001-Uma Odisséia No Espaço”, no entanto, Stanley Kubrick rejeitou-a, preferindo as composições
originais que terminou usando em suas cenas. A música foi assim aproveitada
neste “As Sandálias do Pescador”, de 1968, dirigido por Michael Anderson (de “A Volta Ao Mundo Em 80 Dias”), baseado no best-seller de Morris L. West.
Kiril Lakota (o grande Anthony Quinn, nem
sempre convincente como russo) foi um prisioneiro político a servir em
trabalhos forçadas em Lubianka, na Sibéria, por anos a fio. Retirado de lá pelo
primeiro-ministro russo Piotr Ilyich Kamenev (Laurence Olivier), ele é enviado,
na qualidade de homem religioso, para o Vaticano como uma espécie de
representante do Kremlin.
O histórico de abnegação de Kiril o faz um
homem bem quisto e respeitado entre seus pares no Vaticano, inclusive o próprio
Papa (John Gielgud), tanto que, após a morte deste –e os minimalistas rituais
de conclave que se seguem –é Kiril quem desponta como o grande preferido para
assumir a sucessão como pontífice.
Entretanto, uma vez sagrado Papa, Kiril terá um
caminho árduo pela frente: A mídia internacional fecha o foco em torno do que,
à época, seria o primeiro Papa não-italiano em cerca de 400 anos, e Kiril
precisará valer-se de inteligência e serenidade para exercer sua autoridade
religiosa perante os conflitos políticos que se acirram no panorama mundial,
com Kamenev quase à beira de declarar guerra contra a China, governada então
pelo jovem e intempestivo General Peng (Burt Kwouk, o Cato da série “A Pantera Cor-de-Rosa”).
Num estilo pesadamente acadêmico que pode ser
identificado também em seu outro famoso trabalho na direção, Michael Anderson
demanda tempo da narrativa, estendendo sem remorsos seu filme por cenas que,
para os expectadores de hoje, seriam consideradas demasiado alongadas,
flertando perigosamente com a monotonia.
O filme de Anderson pertence a uma época de
percepção distinta do que, deveras, captura a atenção do público –no mesmo
período, David Lean, entregava seus épicos dramáticos e extensos com grande
sucesso –assim sendo, a adaptação do livro no qual se baseia não se isenta de
abordar também tramas paralelas ao dilema do pontífice, que se alternam em
intensidade conforme o filme avança: As tentativas de um dos homens de
confiança de Kiril, o padre Telemond (Oskar Werner, de “Farenheit 451” e “Jules
& Jim-Uma Mulher Para Dois”), em ser aceito nos rígidos preceitos da Igreja
Católica sem abrir mão de sua visão muito particular sobre a fé, sobre o Divino
e sobre a Cristandade; a crise conjugal no casamento do jornalista George Faber
(David Janssen, do seriado original que inspirou “O Fugitivo”), assíduo
correspondente dos assuntos envolvendo o Vaticano, com a médica Ruth Faber
(Barbara Jefford, de “E La Nave Vá”), que cruza-se com o próprio Papa Kiril,
numa ocasião em que este ensaia uma escapadela do Vaticano; ou as incertezas do
cardeal Leone (Leo Mckern, de “O Feitiço de Áquila”) acerca o desempenho do
novo Papa e mesmo de seus laços de amizade com ele.
Apesar desse excesso
dispersivo presente em seu roteiro, o filme de Anderson se impõe mesmo assim
–graças, sobretudo ao grande elenco, que equilibra competência, carisma e
magnetismo –como um vistoso drama sobre as ambiguidades da fé, as ironias
inevitáveis do destino, e as responsabilidades maiores ou menores dos líderes
mundiais para com os rumos de seu povo.
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