sexta-feira, 29 de maio de 2020

As Sandálias do Pescador

A trilha sonora de Alex North, de insuspeita grandiosidade sinfônica, havia sido desenvolvida para “2001-Uma Odisséia No Espaço”, no entanto, Stanley Kubrick rejeitou-a, preferindo as composições originais que terminou usando em suas cenas. A música foi assim aproveitada neste “As Sandálias do Pescador”, de 1968, dirigido por Michael Anderson (de “A Volta Ao Mundo Em 80 Dias”), baseado no best-seller de Morris L. West.
Kiril Lakota (o grande Anthony Quinn, nem sempre convincente como russo) foi um prisioneiro político a servir em trabalhos forçadas em Lubianka, na Sibéria, por anos a fio. Retirado de lá pelo primeiro-ministro russo Piotr Ilyich Kamenev (Laurence Olivier), ele é enviado, na qualidade de homem religioso, para o Vaticano como uma espécie de representante do Kremlin.
O histórico de abnegação de Kiril o faz um homem bem quisto e respeitado entre seus pares no Vaticano, inclusive o próprio Papa (John Gielgud), tanto que, após a morte deste –e os minimalistas rituais de conclave que se seguem –é Kiril quem desponta como o grande preferido para assumir a sucessão como pontífice.
Entretanto, uma vez sagrado Papa, Kiril terá um caminho árduo pela frente: A mídia internacional fecha o foco em torno do que, à época, seria o primeiro Papa não-italiano em cerca de 400 anos, e Kiril precisará valer-se de inteligência e serenidade para exercer sua autoridade religiosa perante os conflitos políticos que se acirram no panorama mundial, com Kamenev quase à beira de declarar guerra contra a China, governada então pelo jovem e intempestivo General Peng (Burt Kwouk, o Cato da série “A Pantera Cor-de-Rosa”).
Num estilo pesadamente acadêmico que pode ser identificado também em seu outro famoso trabalho na direção, Michael Anderson demanda tempo da narrativa, estendendo sem remorsos seu filme por cenas que, para os expectadores de hoje, seriam consideradas demasiado alongadas, flertando perigosamente com a monotonia.
O filme de Anderson pertence a uma época de percepção distinta do que, deveras, captura a atenção do público –no mesmo período, David Lean, entregava seus épicos dramáticos e extensos com grande sucesso –assim sendo, a adaptação do livro no qual se baseia não se isenta de abordar também tramas paralelas ao dilema do pontífice, que se alternam em intensidade conforme o filme avança: As tentativas de um dos homens de confiança de Kiril, o padre Telemond (Oskar Werner, de “Farenheit 451” e “Jules & Jim-Uma Mulher Para Dois”), em ser aceito nos rígidos preceitos da Igreja Católica sem abrir mão de sua visão muito particular sobre a fé, sobre o Divino e sobre a Cristandade; a crise conjugal no casamento do jornalista George Faber (David Janssen, do seriado original que inspirou “O Fugitivo”), assíduo correspondente dos assuntos envolvendo o Vaticano, com a médica Ruth Faber (Barbara Jefford, de “E La Nave Vá”), que cruza-se com o próprio Papa Kiril, numa ocasião em que este ensaia uma escapadela do Vaticano; ou as incertezas do cardeal Leone (Leo Mckern, de “O Feitiço de Áquila”) acerca o desempenho do novo Papa e mesmo de seus laços de amizade com ele.
Apesar desse excesso dispersivo presente em seu roteiro, o filme de Anderson se impõe mesmo assim –graças, sobretudo ao grande elenco, que equilibra competência, carisma e magnetismo –como um vistoso drama sobre as ambiguidades da fé, as ironias inevitáveis do destino, e as responsabilidades maiores ou menores dos líderes mundiais para com os rumos de seu povo.

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