quinta-feira, 28 de maio de 2020

Paranoia

Diz-se de “Paranoia” que foi uma ideia ocorrida à Steven Spielberg –pura bajulação, uma vez que não passa de uma versão modernosa de “Janela Indiscreta”, de Hithcock –quando este teve a iniciativa de produzir um exemplar de filme comercial nos moldes daqueles que ele executou nos anos 1980, dirigido e estrelado por seus apadrinhados, e que marcaram uma geração de expectadores –como “Os Goonies”, “Gremlins”, “De Volta Para O Futuro” e outros.
Os apadrinhados desta vez eram o diretor D.J. Caruso e o jovem candidato a astro Shia LaBeouf (que, em meados de 2007, gozava de alta conta junto à Spielberg que colocou-o como protagonista em “Transformers” e ainda o escalou para “Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal”).
LaBeouf é Kale Brecht, jovem norte-americano, morador de um bairro residencial que acaba em prisão domiciliar devido à um surto violento ocorrido na escola, acarretado pela morte do pai.
Com uma tornozeleira eletrônica –e não uma perna engessada como o personagem de James Stewart –e, por conta disso, sem poder deixar a área da casa e quintal onde mora com a mãe (Carrie Anne-Moss), tudo o que Kale pode fazer é transformar o ato de bisbilhotar os vizinhos numa arte; isso e emergir em buscas pela internet e jogos de videogame (o emprego imodesto de tecnologia nos desdobramentos da trama é o grande diferencial abraçado pelo filme em sua evocação de modernidade).
Durante essa rotina voyeurística de espionagem, duas coisas terminam por chamar a atenção de Kale acima das outras: Uma, a chegada –um tanto providencial –de uma nova vizinha, a bela, jovem e descolada Ashley (Sarah Roemer, formando um belo parzinho com LaBeouf), que não tarda a se tornar sua amiga e (a despeito da enfatizada contradição do nerd estranho enamorando-se da garota bonita e popular) a compactuar com suas excentricidades.
A outra coisa, vem a ser o vizinho da casa dos fundos (vivido pelo sempre eficiente David Morse, de “Contato”), recluso, pouco sociável e de hábitos que vão revelando, ao escrutínio cada vez mais indiscreto de Kale, a possibilidade dele ser um assassino em série (!).
É claro que a narrativa de D.J. Caruso e o roteiro de Christopher Landon e Carl Ellsworth aproveitam até o limite do divertidamente tolerável a batida situação do protagonista que antecipa todo o mal, mas é incapaz de prová-lo aos céticos personagens coadjuvantes à sua volta –até que seja tarde demais.
“Paranoia” é, quando muito, um conceito –um exercício de imaginação que muito pouco muda os elementos que compõem a estrutura da narrativa idealizada por Alfred Hitchcock em seu clássico imortal.
O frenesi de seu suspense e a diversão de seus cento e cinco minutos de duração funcionam porque o diretor Caruso compreende a redundância desse detalhe e usa de seus recursos para tornar tudo ágil, dinâmico, envolvente e saboroso, tal qual um delicioso bolo de chocolate, como diria o próprio Hitchcock.

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