A Pantera Cor-de-Rosa (1963)
Na teoria, a idéia era completamente diferente:
Fazer uma comédia que enaltecesse a fleuma britânica do astro David Niven, o
protagonista de fato deste primeiro filme no papel de Charles Lytton, uma
espécie de ladrão aventureiro cheio de charme –quase uma versão cômica do
protagonista de “Ladrão de Casaca”, de Alfred Hitchcock, vivido por Cary Grant
–que almeja roubar o precioso diamante conhecido como Pantera Cor-de-Rosa em
poder da belíssima princesa Dahla (Claudia Cardinale, esplêndida) ao mesmo
tempo em que tem um caso com a mulher do investigador da Scotland Yard indicado
para encontrá-lo.
Foi justamente no personagem desse
investigador, o Inspetor Jacques Clouseau, que a equação se inverteu; pois foi
escalado para vivê-lo um promissor comediante inglês chamado Peter Sellers
cujas improvisações inventivas, inesperadas e francamente engraçadas deram vida
inesperada ao personagem.
Apesar do maior tempo em cena e da maior
importância na trama do personagem de Niven, era o Inspetor Clouseau quem
conseguiu convencer o público de que se tratava do grande herói do filme: O quê
era para ser uma celebração do estrelado de David Niven tornou-se a descoberta
de um novo talento.
O diretor Blake Edwards ainda segue aquilo que
se esboçava no roteiro –uma comédia de erros transcorrida em grande parte num
chalé das montanhas onde todos os personagens se reúnem, na qual Charles Lytton
se vê privilegiado todo o tempo, fazendo de Clouseau, com freqüência, o
coadjuvante tolo que sempre terminava enganado –no entanto, a soma de todas as
improvisações de Sellers provoca um desequilíbrio na narrativa.
Diante das consciências desses detalhes
inesperados que moldaram a produção é possível perceber esse estranho reflexo
involuntário deste primeiro filme –o de tratar como personagem principal o
assaltante verdadeiramente pouco interessante enquanto restringe o tempo de
Clouseau.
O público, mesmo o de hoje, não comprou essa
idéia, e muitos são os que consideram Clouseau o protagonista mesmo deste filme
inicial.
Também vale mencionar o sucesso do personagem
animado que tradicionalmente protagoniza os créditos iniciais junto da
inconfundível trilha sonora assinada por Henry Mancini.
Um Tiro No Escuro (1964)
Dessa forma, já no ano seguinte, foi
providenciada uma continuação, desta vez com Clouseau como seu protagonista
oficial.
O resultado, felizmente, era inevitável: Melhor,
mais engraçado e bastante superior ao primeiro filme que empalidece
consideravelmente na comparação, esta foi a produção estabeleceu, inclusive,
uma série de elementos que compuseram a, digamos, ‘mitologia’ da série “Pantera
Cor-de-Rosa”. Eles surgem com alguma sutileza aqui, mas foram se intensificando
à medida que passaram a fazer parte dos filmes que se seguiram, como o perplexo
e desafortunado Chefe Dreyfuss (vivido brilhantemente por Herbert Lom) que
desejava ver Clouseau o mais longe possível, e o mordomo Kato (Burt Kwouk)
instruído a sempre atacar seu patrão (!), para que assim se mantivesse hábil
nas artes marciais.
A trama pode até soar como uma mera desculpa
para as gags hilárias e geniais de Sellers, mas, na verdade partiu de uma peça
teatral originalmente estrelada por Walter Mathau. Foi sob apelo de Peter
Sellers que Blake Edwards envolveu-se no projeto (junto do roteirista William
Peter Blatty que, anos depois, escreveria “O Exorcista”), tendo em algum
momento a idéia de converter o enredo num filme protagonizado por Clouseau.
Tudo gira em torno da investigação de um
homicídio cometido na mansão de um milionário. Seguido de outros mais (numa
paródia das obras de suspense ao estilo de Agatha Christie), esse crime tem o
Inspetor Clouseau designado para sua solução, cujos métodos incomuns (para não
dizer completamente atrapalhados e insanos!) de investigação rejeitam a
principal suspeita, uma bela camareira (Elke Sommer), para se concentrar em
técnicas nada convencionais para encontrar os verdadeiros culpados.
Este “Um Tiro No Escuro” é, também, o único dos
filmes estrelados por Sellers que não trás o personagem animado da Pantera
Cor-de-Rosa em seus créditos iniciais.
Inspetor Clouseau (1968)
Quatro anos depois de “Um Tiro No Escuro” houve
uma produção –hoje bastante desconhecida, rara e difícil de achar –na qual o
estúdio da MGM tentou dar uma espécie de continuação independente para a série:
Eles substituíram o diretor Blake Edwards por Bud Yorkin (ainda que Edwards
tivesse escrito o argumento), e o protagonista Peter Sellers por Alan Arkin, no
papel de Jacques Clouseau. Isso e mais o fato do filme não contar com a memorável
trilha sonora de Henry Mancini contribuíram muito para “Inspetor Clouseau” ser
visto como um episódio não-oficial da série.
Aqui, Clouseau é requisitado como um
representante da Scotland Yard para auxiliar as investigações de alguns
policiais norte-americanos nos EUA.
A capacidade imensurável de Clouseau arrumar
confusões, contudo, suplanta com margem a boa recomendação que o levou a ser
chamado e ele termina seqüestrado pelos criminosos que deveria capturar.
Mais que isso: Ele tem se rosto replicado em
várias máscaras que esses mesmos criminosos usarão para praticar uma onda de
crimes e jogar a culpa sobre ele.
Num registro cômico mais sutil e gracioso
–diferente da genial e explosiva comédia física de Peter Sellers –o grande ator
Alan Arkin dá uma versão mais polida e amena para o personagem, o quê parece
ter sido a inspiração para Steve Martin quando ele também viveu Clouseau numa refilmagem
de “A Pantera Cor-de-Rosa” em 2006.
A Volta da Pantera Cor-de-Rosa (1975)
Dez anos depois da realização de “Um Tiro No
Escuro”, o ator Peter Sellers e o diretor Blake Edwards finalmente harmonizaram
suas então alardeadas ‘diferenças criativas’ para engatar uma sucessão de
filmes consecutivos estrelados pelo Inspetor Clouseau durante a década de 1970.
O primeiro foi este “A Volta...” que começa com
uma trama que remete ao primeiro filme: Uma vez mais o diamante conhecido como
a Pantera Cor-de-Rosa é roubado. Desta vez, entretanto, restam poucas dúvidas
de quem foi: Certamente, Charles Lytton, o ladrão elegante que supostamente
seria o protagonista do primeiro filme (e que aqui é interpretado não por David
Niven, mas sim por Christopher Plummer, que acrescenta novas sutilezas ao
personagem).
A grande ironia é que Lytton, agora, é
inocente.
E com o implacável, ainda que
incontrolavelmente atrapalhado Clouseau em seu encalço, tudo o que ele pode
fazer é mover uma investigação para descobrir, ele próprio, o responsável.
A Nova Transa da Pantera Cor-de-Rosa (1976)
O filme seguinte, um dos mais adorados da série
na opinião de muitos fãs, trazia uma premissa que, se avaliarmos as
circunstâncias deixadas desde “Um Tiro No Escuro”, acabava sendo um caminho natural:
O Chefe de Polícia Dreyfuss, farto das estripulias inacreditáveis de seu
subordinado Clouseau (que, a despeito delas sempre se dava bem), entra em
colapso e se torna um vilão megalomaníaco que, por sua vez, somente o próprio
Clouseau é capaz de deter.
Dentre todos os episódios da série, este é o
que assume com mais intensidade sua característica de ‘desenho animado’,
refletida no comportamento dos personagens, no estilo do humor e da comicidade
e na construção cartunesca de muitas cenas.
O resultado é tremendamente divertido.
A Vingança da Pantera Cor-de-Rosa (1978)
Curiosamente, o filme seguinte, realizado dois
anos depois, encontrava uma forma de ignorar por completo a trama de “A Nova
Transa...” mostrando mais uma vez o Chefe Dreyfuss como o superior aflito de
Clouseau –e, como era tradição na série, alvo involuntário e constante de suas
trapalhadas –e não como o grande vilão derrotado no filme anterior: Afinal, o
talentoso Herbert Lom era uma escada sem igual para o gênio cômico de Sellers.
Para alguns, a única explicação plausível é que
“A Nova Transa...” se inseria no que talvez fosse uma realidade paralela, mas
os realizadores contornaram isso com uma boa dose de non-sense: O gangster
Phillipe Douvier (Robert Webber) organiza um atentado contra a vida do Inspetor
Jacques Clouseau que é então dado como morto.
Diante da notícia da morte de Clouseau,
Dreyfuss sara quase que instantaneamente e, como num passe de mágica, está
restabelecido em seu cargo na Scotland Yard (!), encarregado de encontrar os responsáveis
pelo crime.
Mas, Clouseau não morreu, porém irá manter isso
em segredo para poder descobrir a identidade de seus inimigos, valendo-se
inclusive do talento para disfarces que ele julga ter (!).
A Trilha da Pantera Cor-de-Rosa (1982)
Era notória a insatisfação de Peter Sellers
para com os rumos de sua carreira: Não lhe agradava adquirir fama mundial
graças a um filme do qual ele declaradamente não gostava como a série da
Pantera Cor-de-Rosa. O público, por outro lado, amava. O quê levava o estúdio e
o diretor Blake Edwards à apelos que, a cada filme, iam ficando cada vez mais
dramáticos na tentativa de convencer Sellers a viver novamente o Inspetor
Clouseau.
Após “A Vingança...” o roteiro preparado para
virar um filme, que jamais chegou a se concretizar, se chamava “O Romance da
Pantera Cor-de-Rosa”. Isso porque infelizmente Peter Sellers faleceu, vitimado
por um fulminante ataque cardíaco.
Edwards, contudo, tinha uma última carta na
manga: Algumas cenas adicionais, filmadas por Sellers e deixadas de fora da
edição de “A Vingança...”. Bastava construir um roteiro minimamente plausível
que acomodasse tais cenas –a participação de Clouseau, no filme, soma cerca de
uns quinze minutos –e depois preencher o restante do filme com uma trama não
muito convincente que envolve uma jornalista (a comediante Joanna Lumley) que
passa então a investigar o abrupto desaparecimento do próprio Clouseau no curso
de uma investigação.
A Maldição da Pantera Cor-de-Rosa (1983)
Embora tivesse afirmado –ainda durante a fase
de produção e lançamento de “A Trilha da Pantera Cor-de-Rosa” –que nenhum outro
ator poderia interpretar Clouseau, Blake Edwards se mostrou, já na década de
1980, mais do que disposto a tentar dar uma continuidade à trama da Pantera
Cor-de-Rosa, correspondendo as expectativas do público ao gancho narrativo
deixado pelo filme anterior que, sabemos, tratava-se de uma colagem de cenas
com um fiapo de roteiro como pretexto para costurá-las.
A ironia e curiosidade da coisa é o ator
escolhido por Edwards para tentar dar continuidade de onde Sellers, devido ao
seu falecimento, parou: O ainda então James Bond, Roger Moore! O estranho é que
não há sequer um esforço para caracterizar Moore, na esperança de que, ao menos
em figurino ou maquiagem, ele se assemelhe ao Clouseau de Sellers –algo que,
pelo menos, Alan Arkin se dispôs a fazer...
Para facilitar o trabalho de Moore, a
participação de Clouseau (que é sempre bom lembrar, estava desaparecido desde o
filme anterior) é reduzida ao mínimo neste filme, protagonizado, por sua vez,
por outro detetive atrapalhado, Clifton Sleigh (Ted Wass, incapaz de igualar o
talento cômico de Peter Sellers), um nova-iorquino escolhido para descobrir o
misterioso paradeiro de Clouseau.
Houve nítidas intenções de prosseguir com a
série mesmo depois da partida de Sellers, e elas são particularmente notáveis
neste filme –em especial, nos fortes ganchos narrativos e nas cenas
inconclusivas ao final que enunciam continuações (que jamais vieram), em
especial, ao trazer de volta, numa breve ponta, David Niven, mais uma vez como
Charles Lytton.
A crítica e, sobretudo, o público decretaram: A
série “A Pantera Cor-de-Rosa”, infelizmente, havia mesmo morrido com o genial
comediante que lhe tinha dado vida; os planos para dar continuidade à esta
trama, quaisquer que fossem, jamais foram materializados, e Blake Edwards
passou mais uma década inteira antes de se aventurar a tentar fazer algo dentro
daquela série. Infelizmente, isso terminou acontecendo em 1993, com um dos
filmes mais catastróficos de sua carreira, “O Filho da Pantera Cor-de-Rosa”,
com o italiano Roberto Benigni, mas isso... é uma outra história.
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