segunda-feira, 29 de junho de 2020

O Caldeirão Mágico

Ao mesmo tempo em que é muito pouco conhecido, “O Caldeirão Mágico” é também um dos mais incomuns e pouco usuais trabalhos em animação dos Estúdios Disney, adjetivos que levaram a um fracasso de bilheteria que quase comprometeu a existência da empresa.
Realizado em parceria com a produtora Silver Screems –o que talvez explique suas características atípicas em relação às outras animações –“O Caldeirão Mágico” é baseado nas “Crônicas de Prydain”, de Lloyd Alexander, e narra uma trama de fantasia ambientada num mundo medieval, fazendo lembrar simultaneamente a animação em série “Caverna do Dragão”, a animação em longa-metragem “Fogo & Gelo”, e a tentativa (também em animação) de transpor para as telas “O Senhor dos Anéis” –esses dois últimos títulos, por sinal, ambos executados pelo mesmo Ralph Bakshi –todos lançados, mais ou menos, pelo mesmo período: Meados da década de 1980.
Há também –como notaremos mais à frente –diversas influências de outros trabalhos comerciais da época; transfigurando este desenho animado em algo difícil de definir; indeciso no resultado final que se revela ao público.
No reino imaginário de Prydain, corre uma lenda sobre um certo ‘caldeirão negro’ –e não ‘magico’ como menciona o título –no qual o fantasma de um rei cruel foi aprisionado junto com todos os seus poderes. Quem obter o caldeirão, obtém então grande poder.
Após a introdução dessa já sinistra história no prólogo, somos apresentados ao herói do filme, o jovem Taran que, na casa de camponês que vive não é mais que um tratador de porcos, embora sonhe e sagrar-se um corajoso cavaleiro –protagonista que tem em si todos os cacoetes nada disfarçados de Luke Skywalker, cujo “Star Wars” pegou o mundo de assalto alguns anos antes.
O ingresso de Taran na aventura que ocupa todo o filme vem a ser inusitadamente a porquinha Wem-Wem que tem poderes de vidente (?!) sendo, portanto, a única criatura no reino capaz de revelar o jazigo misterioso do caldeirão negro. Para que o perverso Rei de Chifres não a encontre, Taran é instruído a partir com Wem-Wem para longe.
Embora tenha suas piadinhas e seus personagens fofinhos, tal qual uma animação Disney, “O Caldeirão Mágico” contrapõe esses elementos com adições imprevistas, como o Rei de Chifres, um antagonista ameaçador, sinistro e sombrio como nenhum outro já engendrado pela Disney –não há qualquer traço humano nele, sejam reações que esbocem alguma emoção, ou algum background narrativo que explique quem é ou de onde vem; é um vilão visualmente amedrontador que mais parece saído de algum filme de terror.
Na trajetória de Taran, outros personagens cruzarão seu caminho: Gurgi, uma espécie de cachorro humanóide (ou coisa assim...), a jovem princesa Elony e o assustado menestrel Flores Flama, além de pequenos seres que lembram fadas e que fazem lembrar também alguns personagens do filme “A Lenda” –parece haver um constante reaproveitamento temático de muitas influências surgidas nos anos 1980 por esta animação.
Curioso é que tudo isso incrementa uma obra esmagada por um clima soturno e sombrio, cujos pífios esforços para ostentar algum humor e abrandar seu clima são rapidamente sobrepujados por elementos fatalistas, sequências violentas (inclusive, psicologicamente violentas) e visões macabras de esqueletos, hordas de mortos-vivos e névoas bruxuleantes.
É preciso lembrar que os Estúdios Disney, naquela época, 1985, não haviam realizado ainda “A Pequena Sereia”, nem “A Bela e A Fera”, nem “O Rei Leão”... ou seja, em termos de referência, os títulos que eram relacionados à Disney por público e crítica, e nos quais era reconhecida sua qualidade, datavam de anos atrás; décadas até!
Os Estúdios Disney produziram, capitaneados pelo gênio pioneiro do próprio Walt Disney nos anos 1930, 40 e 50, algumas das mais louvadas obras em animação de todos os tempos, contudo, nas décadas seguintes, essa excelência minguou até quase se dissolver –os razoáveis, porém nada impecáveis “101 Dálmatas”, “Mogli” e “Aristogatas” são dos poucos lembrados na década de 1960; já nos anos 1970, restava a lembrança de “Bernardo & Bianca” e olhe lá... –com a chegada dos anos 1980, tudo o que os animadores de então tinham era um legado de antigas realizações que pesava nos ombros de seus artesões mais como uma espécie de fardo e menos como uma inspiração.
Com efeito, isso tudo se registra na trama estranhamente sombria de “O Caldeirão Mágico”: Há um primor artesanal de ponta a ponta na execução visual da animação, não restam dúvidas, e seu jogo de cores sempre deslumbra e encanta, mas, no que tange à trama, “O Caldeirão Mágico” se revela incoerente, enfadonho a partir de certo ponto, ressentido de muitas soluções às quais sua própria história o levou a chegar, e inconstante para com a fórmula que a própria Disney estipulou para o gênero: Não existem quaisquer cenas musicais, e se há algum romance entre o mocinho e a princesa, isso quando muito sequer interfere na trama principal.

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