Já na transição da década de 1990 para a década de 2000, a virada do milênio, a carreira de Leonardo Dicaprio sofria a chamada ‘ressaca de “Titanic”’: Parecia improvável que qualquer coisa que ele fizesse a partir dali fosse tão igualmente retumbante, e bem-sucedida quanto o épico estrondoso e megalomaníaco de James Cameron. E, com efeito, seus projetos seguintes foram redundantes (“Eclipse de Uma Paixão”, realizado três anos antes de “Titanic”, mas lançado logo depois), pouco vistos (“Celebridades”, de Woody Allen) ou simplesmente ruins mesmo (“O Homem da Máscara de Ferro”). Parecia que Dicaprio mergulharia naquela típica armadilha onde um bom ator, tornado astro por um único grande sucesso, não conseguiria igualar o mesmo feito, afundando em realizações banais.
O que acabou resguardando a responsabilidade de
ser a prova de fogo –se ele era uma promessa vazia ou um astro de talento e
magnetismo real –para este “A Praia”, de Danny Boyle.
Por sua vez, a situação do diretor escocês
Boyle era um pouco distinta: Ele vinha de dois projetos elogiadíssimos feitos
em sua Escócia-natal que pegaram o mundo de assalto (o suspense “Cova Rasa” e o
hoje muito cultuado “Trainspotting-Sem Limites”) e de uma produção de bem menos
repercussão (a comédia romântica de humor negro “Por Uma Vida Menos
Ordinária”); em todos os três casos, Boyle reunia uma espécie de ‘família
cinematográfica’, onde repetia o mesmo roteirista (John Hodge), o mesmo
produtor (Andrew Macdonald) e o mesmo ator principal (Ewan McGregor).
“A Praia” era sua estréia numa produção
inteiramente hollywoodiana e, se manteve todos aqueles nomes atrás das câmeras,
à frente delas, ele substituiu McGregor por Dicaprio –possivelmente para acatar
uma imposição do estúdio que financiou o projeto, a Fox.
Dicaprio vive Richard, um mochileiro americano
perambulando pela Tailândia, e acumulando instigantes experiências de vida.
Richard, contudo, não é nenhum santo –e essas características ambíguas do
personagem (como dissimulação, covardia e certa ausência de escrúpulos), além
de serem essenciais aos rumos que a trama vai tomando, são recebidas e
incorporadas com palpável satisfação pelo astro Dicaprio, ávido por enfim
interpretar um protagonista que foge às definições de bom moço.
Pernoitando num albergue caindo aos pedaços,
Richard conhece seus vizinhos de quarto: Do lado direito, o casal de franceses
Françoise (a gatinha Virginie Ledoyen, de “Adeus, Minha Rainha”) e Etienne
(Guillaume Canet), mochileiros como ele; do lado esquerdo, o desajustado,
psicótico e atormentado Daffy (Robert Carlyle).
É Daffy quem, pouco antes de suicidar-se (!),
deixa com Richard um mapa que, segundo ele, conduz a uma verdadeira lenda
urbana: Uma praia paradisíaca com plantações abundantes de cannabis, de onde os
afortunados turistas que encontram sua trilha não têm mais vontade de sair.
Convidando Françoise e Etienne para ir com ele –e já cheio de segundas
intenções para cima da moça –Richard segue pelo caminho mostrado no mapa; não
sem antes passar uma cópia dele para uns camaradas maconheiros com quem
confraternizou na véspera.
Após uma árdua travessia no mar, e uma
alucinada perseguição na própria ilha, os três encontram a tão alardeada praia,
e descobrem que lá vive uma comunidade alternativa liderada pela aparentemente
sábia Sal (Tilda Swinton) cujos integrantes pouco interesse têm em visitar o
mundo exterior. Richard, Françoise e Etienne são recebidos por eles e, durante
algum tempo, sentem-se vivendo num paraíso.
Isso até os transtornos (alguns dos quais
plantados pelo próprio Richard) virem bater-lhes à porta: Ele realiza seus
desejos e separa Françoise de Etienne passando a namorar a francesinha; e ainda
consegue escapar de um ataque de tubarão, embora dias depois, um colega da
comunidade não tenha a mesma sorte, e o sofrimento dele (sem remédios por perto
para proporcionar sua cura e aliviar sua dor) desafia a manutenção de todo o
clima feliz do lugar. Entretanto, o pior mesmo é quando os tais maconheiros
mencionados acima resolvem aparecer no lugar –no qual rege a lei irrevogável de
que ninguém deve revelar seu segredo.
Assim, as travessuras e presepadas de Richard
acabam colocando toda a comunidade na mira dos traficantes responsáveis pela
vasta plantação de maconha do lugar; com quem até então mantinham uma certa
trégua.
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