Como pode um filme grosseiro, vulgar e desavergonhado ganhar o Oscar?! Era o que se perguntava público e crítica em meados de 1964, depois que “As Aventuras de Tom Jones” conquistou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora.
A verdade é que não demora muito para “Tom
Jones” começar a revelar uma série de méritos que justificam, e muito, sua
premiação: Numa narrativa que remete ao cinema mudo –com intertítulos no lugar
de diálogos falados, música de fundo digressiva e tudo o mais –acompanhamos um
prólogo onde a origem do anti-herói do filme é contada. Nascido bastardo da
relação entre uma empregada e um barbeiro, Tom Jones é deixado na cama do
fidalgo Allworthy (George Devine) que, compadecido à sua maneira austera,
decide-se por criá-lo como filho.
Na sequência deste trecho, pleno de ironia, o
filme que logo se inicia já ostenta técnicas extraordinariamente modernas de
filmagem, espantosas para a cinematografia ainda engessada aquela década de
1960. Crescido, Tom Jones (na atuação, um tanto quanto competente e adequada
aos propósitos do filme, de Albert Finney) demonstra toda sua inclinação ao
vício e à irreverência promovendo escapadelas com a camponesa Molly (Diane
Cilento, de “O Homem de Palha”) e provocando seu vizinho ricaço Western (Hugh
Griffith, de “Ben-Hur” e “Que?”).
Contudo, Tom não é de todo corrupto; seus bons
sentimentos logo são explorados quando Molly anuncia que está grávida –de
outro, claro, mas afirmando ser Tom o pai a fim de aplicar o ‘golpe do baú’
–prejudicando o florescimento do romance dele com a angelical Sophie (Susannah
York, de “Imagens”), filha de Western.
Tom, que acredita no papo furado, não deseja
ver Molly desonrada, nem um filho seu sendo abandonado. Todavia, a descoberto
do embuste se dá da maneira mais descontraída e inusitada possível!
O enlace entre Tom e Sophie volta a ser
ameaçado, desta vez, pelas tramóias venenosas de Blifil (David Warner), o
traiçoeiro primo de Tom Jones, obstinado a usar de perfídia e traição para
tirar dele sua herança e a garota que ele ama. Desse novelo –que revela-se mais
intrincado do que pode parecer –desenrola-se um fio narrativo quase épico
através do qual o anti-herói Tom Jones mete-se em seguidas confusões em meio às
circunstâncias culturais e sociais da Inglaterra do Século XVIII, nas quais não
lhe faltam mulheres a lhe cair nos braços (incluindo uma audaciosa, e
provavelmente escandalosa, para a época, sugestão de incesto!).
Conduzindo com um tom farsesco –e, por isso mesmo,
muitas vezes imprevisível –os altos e baixos vividos pelo protagonista,
sobretudo, na sua tentativa gaiata de consolidar o amor genuíno por Sophie, o
filme dirigido por Tony Richardson adota uma postura muito em voga na
Inglaterra daquele período, culturalmente falando: A abordagem absolutamente
revisionista e desmitificadora dos clássicos de então.
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