segunda-feira, 29 de março de 2021

As Aventuras de Tom Jones


 Como pode um filme grosseiro, vulgar e desavergonhado ganhar o Oscar?! Era o que se perguntava público e crítica em meados de 1964, depois que “As Aventuras de Tom Jones” conquistou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora.

A verdade é que não demora muito para “Tom Jones” começar a revelar uma série de méritos que justificam, e muito, sua premiação: Numa narrativa que remete ao cinema mudo –com intertítulos no lugar de diálogos falados, música de fundo digressiva e tudo o mais –acompanhamos um prólogo onde a origem do anti-herói do filme é contada. Nascido bastardo da relação entre uma empregada e um barbeiro, Tom Jones é deixado na cama do fidalgo Allworthy (George Devine) que, compadecido à sua maneira austera, decide-se por criá-lo como filho.

Na sequência deste trecho, pleno de ironia, o filme que logo se inicia já ostenta técnicas extraordinariamente modernas de filmagem, espantosas para a cinematografia ainda engessada aquela década de 1960. Crescido, Tom Jones (na atuação, um tanto quanto competente e adequada aos propósitos do filme, de Albert Finney) demonstra toda sua inclinação ao vício e à irreverência promovendo escapadelas com a camponesa Molly (Diane Cilento, de “O Homem de Palha”) e provocando seu vizinho ricaço Western (Hugh Griffith, de “Ben-Hur” e “Que?”).

Contudo, Tom não é de todo corrupto; seus bons sentimentos logo são explorados quando Molly anuncia que está grávida –de outro, claro, mas afirmando ser Tom o pai a fim de aplicar o ‘golpe do baú’ –prejudicando o florescimento do romance dele com a angelical Sophie (Susannah York, de “Imagens”), filha de Western.

Tom, que acredita no papo furado, não deseja ver Molly desonrada, nem um filho seu sendo abandonado. Todavia, a descoberto do embuste se dá da maneira mais descontraída e inusitada possível!

O enlace entre Tom e Sophie volta a ser ameaçado, desta vez, pelas tramóias venenosas de Blifil (David Warner), o traiçoeiro primo de Tom Jones, obstinado a usar de perfídia e traição para tirar dele sua herança e a garota que ele ama. Desse novelo –que revela-se mais intrincado do que pode parecer –desenrola-se um fio narrativo quase épico através do qual o anti-herói Tom Jones mete-se em seguidas confusões em meio às circunstâncias culturais e sociais da Inglaterra do Século XVIII, nas quais não lhe faltam mulheres a lhe cair nos braços (incluindo uma audaciosa, e provavelmente escandalosa, para a época, sugestão de incesto!).

Conduzindo com um tom farsesco –e, por isso mesmo, muitas vezes imprevisível –os altos e baixos vividos pelo protagonista, sobretudo, na sua tentativa gaiata de consolidar o amor genuíno por Sophie, o filme dirigido por Tony Richardson adota uma postura muito em voga na Inglaterra daquele período, culturalmente falando: A abordagem absolutamente revisionista e desmitificadora dos clássicos de então.

Interessa menos ao diretor Richardson que seu filme seja uma adaptação do clássico literário de Henry Fielding, e mais o fato de que, com ele, pode sublinhar infindáveis aspectos mundanos, promíscuos, engraçados e despojados desses mesmos temas e personagens, e ainda assim, fazer com isso, um cinema bem acabado, enxuto, ágil, competente e, no fim das contas, apesar de suas indisfarçadas travessuras, impecável.

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