segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ben - Hur

Comparar o novo filme, que aborta aos cinemas, dirigido pelo russo Timur Bekmanbetov ao grandioso épico do período áureo de Hollywood realizado por William Wyler (e não à toa agraciado com o número recorde de 11 Oscars, feito igualado somente uns quarenta anos depois por "Titanic" em 1997, e por "Senhor dos Anéis-O Retorno do Rei" em 2003) é tão inevitável quanto incauto: Não somente pelo quanto isso é imensamente desfavorável ao novo filme (e, por conseqüência, à experiência de assisti-lo), mas porque na gramática usada por Bekmanbetov em seu novo trabalho, essas comparações se tornam infundadas, tamanha é a diferença de estilo, proposta e observação imposta aos dois filmes.
Esse é, talvez, o grande mérito deste novo filme: A sensatez de estabelecer, a partir de percepções de roteiro e caracterização, uma cautelosa distinção em relação ao clássico inigualável que tenta refilmar.
Ainda que, no fim das contas, esse gesto se revele inútil: Esta é, afinal, uma nova versão de “Ben-Hur”, sujeita a toda sorte de justaposições com a qualidade hiperlativa daquela obra.
Vale lembrar que o próprio “Ben-Hur” de 1959 já era uma refilmagem de um filme mudo em preto & branco de 1925.
Irmãos adotivos e grandes amigos de infância, o judeu de família nobre da Palestina, Judah Ben Hur (Jack Huston), e o romano Messala Severus (Toby Kebbell), na mesma época de Jesus Cristo (o brasileiro Rodrigo Santoro), crescem sob as diferenças que os separam; o primeiro é o herdeiro que representa a esperança de seu povo; o segundo, o aprendiz no qual Roma deposita a obrigação de manter suas colônias em rédeas curtas.
O filme de Bekmanbetov aprofunda as relações entre os antagonistas em contrapartida ao fato óbvio (e de certa maneira assumido pela produção) de que não podem equiparar os valores de produção da obra clássica. No filme de Wyler, aliás, Ben-Hur e Messala são apenas grandes amigos e não irmãos de criação (mudança quê não é adequadamente explicada neste filme).
O Judah Ben-Hur de Jack Huston não chega nem perto da magnífica (e oscarizada) presença de cena estupenda que Charlton Heston possuía, e Toby Kebbell, com sua expressão apática, é ainda pior, desvalorizando por completo um personagem cuja metamorfose moral sugerida na trama poderia render muito mais.
A falta de empatia de Huston poderia até beneficiar o vilão e fazer a platéia torcer por ele, mas seu interprete também provoca indiferença no público: Erro crasso num filme cuja trama se sustenta nesse tipo de conflito.
Adultos, os dois se afastam, em grande parte pela fidelidade à Roma desenvolvida por Messala, que se choca com os ideais protecionistas de Judah. Quando um incidente os coloca um contra o outro, Ben Hur é condenado às galés como escravo, onde sobrevive depois de cinco anos à um ataque em alto-mar, para em seguida ser adotado por um fidalgo africano (Morgan Freeman, que colaborou com o diretor em "O Procurado"), e obter a chance de voltar para vingar-se de seu agora inimigo Messala.
As escolhas narrativas levam, todas, ao embate final, envolvendo a corrida de bigas, gerando relativa expectativa entre aqueles que cultivam uma esperança de que, em algum momento, o filme vá ficar melhor.

A questão é que, dentre tantas cenas momentosas, a corrida de bigas do “Ben-Hur” de 1959 é uma sequência exemplar de grandeza e refinamento cinematográfico: Tudo é mostrado com uma clareza magnífica e acachapante, todas as cenas são bem enquadradas, bem filmadas, e em nenhum instante a ação faz com que o expectador se perca. É, em resumo, uma aula de cinema sobre como realizar uma cena como essa.
Mas, no novo filme, parece que Bekmanbetov e sua equipe faltaram a essa aula: A câmera tremida dificulta discernir muito do que vemos em cena, e tenta emular, talvez, o estado caótico e subjetivo do personagem, mas esse recurso aparece presente na maioria das cenas de ação da atualidade (vide os filmes de Michael Bay), e deveras não funciona. Quando o enquadramento parece querer se normalizar, a montagem corta para outro take, e mais outro, aceleradamente, não dando tempo sequer de visualizar se há algum mérito nas demais questões estéticas.
Por fim, o novo “Ben-Hur” é exatamente aquilo que se imagina dele (o que nos ocorre instintivamente ao ouvir falar de uma refilmagem como essa): Uma tentativa equivocada (ineficaz até mesmo nos quesitos em que, por ventura, poderiam ter funcionado) em refazer um filme que, em sua excelência, era irretocável.

Espero que, no futuro, eles aprendam a deixar filmes como “E O Vento Levou”, “Lawrence da Arábia”, “Doutor Jivago” ou “O Poderoso Chefão” em paz!

Nenhum comentário:

Postar um comentário