Comparar o novo filme, que aborta aos cinemas,
dirigido pelo russo Timur Bekmanbetov ao grandioso épico do período áureo de
Hollywood realizado por William Wyler (e não à toa agraciado com o número
recorde de 11 Oscars, feito igualado somente uns quarenta anos depois por
"Titanic" em 1997, e por "Senhor dos Anéis-O Retorno do
Rei" em 2003) é tão inevitável quanto incauto: Não somente pelo quanto
isso é imensamente desfavorável ao novo filme (e, por conseqüência, à
experiência de assisti-lo), mas porque na gramática usada por Bekmanbetov em
seu novo trabalho, essas comparações se tornam infundadas, tamanha é a diferença
de estilo, proposta e observação imposta aos dois filmes.
Esse é, talvez, o grande mérito deste novo
filme: A sensatez de estabelecer, a partir de percepções de roteiro e
caracterização, uma cautelosa distinção em relação ao clássico inigualável que
tenta refilmar.
Ainda que, no fim das contas, esse gesto se
revele inútil: Esta é, afinal, uma nova versão de “Ben-Hur”, sujeita a toda
sorte de justaposições com a qualidade hiperlativa daquela obra.
Vale lembrar que o próprio “Ben-Hur” de 1959 já
era uma refilmagem de um filme mudo em preto & branco de 1925.
Irmãos adotivos e grandes amigos de infância, o
judeu de família nobre da Palestina, Judah Ben Hur (Jack Huston), e o romano
Messala Severus (Toby Kebbell), na mesma época de Jesus Cristo (o brasileiro
Rodrigo Santoro), crescem sob as diferenças que os separam; o primeiro é o
herdeiro que representa a esperança de seu povo; o segundo, o aprendiz no qual
Roma deposita a obrigação de manter suas colônias em rédeas curtas.
O filme de Bekmanbetov aprofunda as relações
entre os antagonistas em contrapartida ao fato óbvio (e de certa maneira
assumido pela produção) de que não podem equiparar os valores de produção da
obra clássica. No filme de Wyler, aliás, Ben-Hur e Messala são apenas grandes amigos
e não irmãos de criação (mudança quê não é adequadamente explicada neste
filme).
O Judah Ben-Hur de Jack Huston não chega nem
perto da magnífica (e oscarizada) presença de cena estupenda que Charlton
Heston possuía, e Toby Kebbell, com sua expressão apática, é ainda pior,
desvalorizando por completo um personagem cuja metamorfose moral sugerida na
trama poderia render muito mais.
A falta de empatia de Huston poderia até
beneficiar o vilão e fazer a platéia torcer por ele, mas seu interprete também
provoca indiferença no público: Erro crasso num filme cuja trama se sustenta
nesse tipo de conflito.
Adultos, os dois se afastam, em grande parte
pela fidelidade à Roma desenvolvida por Messala, que se choca com os ideais
protecionistas de Judah. Quando um incidente os coloca um contra o outro, Ben
Hur é condenado às galés como escravo, onde sobrevive depois de cinco anos à um
ataque em alto-mar, para em seguida ser adotado por um fidalgo africano (Morgan
Freeman, que colaborou com o diretor em "O Procurado"), e obter a chance de voltar para vingar-se de seu agora inimigo
Messala.
As escolhas narrativas levam, todas, ao embate
final, envolvendo a corrida de bigas, gerando relativa expectativa entre
aqueles que cultivam uma esperança de que, em algum momento, o filme vá ficar
melhor.
A questão é que, dentre tantas cenas
momentosas, a corrida de bigas do “Ben-Hur” de 1959 é uma sequência exemplar de
grandeza e refinamento cinematográfico: Tudo é mostrado com uma clareza
magnífica e acachapante, todas as cenas são bem enquadradas, bem filmadas, e em
nenhum instante a ação faz com que o expectador se perca. É, em resumo, uma
aula de cinema sobre como realizar uma cena como essa.
Mas, no novo filme, parece que Bekmanbetov e
sua equipe faltaram a essa aula: A câmera tremida dificulta discernir muito
do que vemos em cena, e tenta emular, talvez, o estado caótico e subjetivo do personagem,
mas esse recurso aparece presente na maioria das cenas de ação da atualidade
(vide os filmes de Michael Bay), e deveras não funciona. Quando o enquadramento
parece querer se normalizar, a montagem corta para outro take, e mais outro,
aceleradamente, não dando tempo sequer de visualizar se há algum mérito nas
demais questões estéticas.
Por fim, o novo “Ben-Hur” é exatamente aquilo
que se imagina dele (o que nos ocorre instintivamente ao ouvir falar de uma
refilmagem como essa): Uma tentativa equivocada (ineficaz até mesmo nos
quesitos em que, por ventura, poderiam ter funcionado) em refazer um filme que,
em sua excelência, era irretocável.
Espero que, no futuro, eles aprendam a deixar
filmes como “E O Vento Levou”, “Lawrence da Arábia”, “Doutor Jivago” ou “O
Poderoso Chefão” em paz!
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