segunda-feira, 13 de março de 2017

O Homem de Palha

A mais desigual das mesclas acaba sendo este insólito e formidável trabalho do diretor Robin Hardy: Nele há sensualidade (e nudez constante), um registro bastante interessante das crenças pagãs, uma relativamente satisfatória trama de suspense inserida nesse contexto inusitado, e uma curiosa condução, na qual a direção não se furta de evidenciar o humor, o ridículo e o absurdo dos momentos que se prestam à essas características.
Um policial britânico, metódico e rígido (Edward Woodward) chega de avião à uma ilha afastada, onde deve investigar o desaparecimento de uma jovem. Suas investigações esbarram nos estranhos hábitos da comunidade, devota dos ancestrais costumes pagãos europeus e, por conseguinte, acaba contrastando com o comportamento avesso do próprio policial, um cristão declarado e confesso.
Não lhe passa despercebido uma sucessão de atitudes consideravelmente suspeitas da parte de todo o povoado, na maneira com que parecem, fantasmagoricamente, acompanhar com os olhos seus passos pela rua, e mesmo nas práticas de natureza social, que soam esquisitas a outros padrões culturais: Com destaque para um desconcertante momento musical (!) onde uma jovem nua (a linda Britt Ekland, mais conhecida por ser casada, durante algum tempo, com o astro Peter Sellers) se oferece ao policial na porta de seu quarto à noite, a fim de interromper seu celibato.
Nada disso impede o líder dessa comunidade (interpretado com ironia ferrenha por Christopher Lee) de nutrir pelo policial alguma camaradagem, ainda que no fim –leia-se, na surpresa aterradora que a ele é reservado no desfecho –isso não venha a poupá-lo de seu terrível propósito.
Aí está, então, a justificativa para esse estilo tão absolutamente fora do tom (ou pelo menos, fora da idéia que se tem de habitual ao gênero) adotado pelo diretor Hardy: Valer-se de extraordinária desenvoltura e experiência, e evitar a controvérsia numa trama que, em mãos menos hábeis, poderia ser interpretada como uma crítica.
A sociedade pagã que segue as leis da natureza, e as reverencia, não é tratada como sendo o grupo de vilões do filme, nem tampouco o policial é um protagonista heróico com o qual a platéia se identifica –muito do que se percebe nele é uma caricatura patética daquele tipo de personagem (recorrente em filmes de terror) que insiste em cair numa cilada, mesmo quando ela se acha perceptível à olhos vistos em sua frente.

P/S: Em 2006, o subversivo diretor Neil Labute uniu-se ao astro Nicolas Cage para realizar uma refilmagem de “O Homem de Palha”, alterando inúmeras características da trama e seu objetivo, modificando muitos dos elementos que a tornam válida e, em lugar disso, dando continuidade a um estapafúrdio discurso misógino que Labute vinha difundindo em seus filmes mais independentes: O resultado é “O Sacrifício” (não confundir, por favor, com a obra-prima de Andrei Tarkovsky), um dos mais detestáveis, desleixados e imprestáveis filmes já feitos.

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