domingo, 4 de junho de 2017

Que?

Afinal de contas o quê, diabos, Roman Polanski quis fazer com este filme? Uma rocambolesca comédia de erros de humor negro? Uma espécie de “Alice No País das Maravilhas” distorcido, malicioso, adulto e sarcástico?
A bela e espevitada Sidne Rome interpreta Nancy, uma americana em viagem pela Itália, quando uma carona malfadada termina lhe deixando, não atrás de um coelho branco, mas fugindo de potenciais estupradores (no que é, existencialmente, uma dor de cabeça recorrente para a protagonista ao longo do filme).
Ela desce um teleférico à beira de uma estrada –uma espécie de passagem que, tal e qual o buraco em “Alice...” a leva, não apenas para baixo, mas para um lugar aonde tudo parece soar como outro mundo, mais insano, mais absurdo e hostil daquilo que é tido por normal.
Lá, ela encontra uma vila mediterrânea quase labiríntica com passagens e acomodações laterais umas às outras, repleta de personagens estranhos com um comportamento de freqüente desvio sexual –quando não a ignoram, ou maltratam, deliberadamente, seu interesse é em seu corpo e no limite que pode haver em sua permissividade (uma atitude que, aliás, espelha bastante as pulsões obscuras do próprio Polanskil cuja vida pública sempre esteve às voltas com escândalos sexuais) –o próprio Polanski, por sinal, interpreta um personagem; trata-se de um dos rapazes desmiolados que jogam ping pong.
Certamente, contudo, aquele que mais se destaca na narrativa vem a ser Marcello Mastroianni como uma espécie de Chapeleiro Maluco –e, também ele, se mostra o senhor absoluto numa mesa de chá! Esse personagem é ilustrativo do nonsense que predomina nas demais caracterizações: Insiste paulatinamente que não é um cafetão (do qual os outros lhe acusam), mas involuntariamente é essa a postura que adota em sua relação com Nancy; refuta completamente as afirmações alheias de que tenha sífilis, porém, ostenta uma série de suspeitos sintomas (as feridas que ele diz serem mordidas de mosquito, as coceiras descontroladas...), é, de certa maneira, um comentário sardônico e sarcástico de Polanski sobre as contradições adultas, como em muitos aspectos a obra de Lewis Caroll também era.
Há inclusive uma aura farsesca na forma com que os acontecimentos se sucedem –e, de novo, tornam a se repetir, como se sugerissem à heroína que ela está em um ciclo deveras vicioso.
De fato, o vício parece ser o mote por meio do qual Polanski constrói seu desigual senso de humor; um humor difícil, fácil de ser incompreendido, talvez, uma verve por meio da qual ele pôde se despir do fatalismo de seu projeto anterior, o sangrento “Macbeth”.
Além de Mastroianni, o personagem que mais se destaca em meio às dezenas que se apresentam nesta comédia caótica e tortuosa é, sem dúvidas, o dito proprietário do local em que a jovem protagonista se perde, o Sr. Joseph Noblart (talvez um trocadilho com o termo ‘noble art’, nobre arte –pois a arte, neste filme, está por todos os lugares, nos quadros que infestam as paredes e até em recriações realizadas nas cenas) vivido pelo veterano Hugh Griffith ( vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo clássico “Ben Hur”), o destino dele, que conduz ao surreal desfecho do filme, é o mais irônico e indicativo dos propósitos questionadores de Polanski para com este filme –se é que ele tinha qualquer tipo de propósito...
O final, quando Nancy, farta do nonsense predominante e das intermináveis obsessões sexuais de todos, mas acima de tudo, acuada por motivos irrisórios, parte embora (completamente nua!), sob o pretexto de que “o filme está terminando” (!), é um trocadilho de metalinguagem carregado de astúcia e sarcasmo –é Polanski dando uma piscadela para o público, caso este não tenha percebido a imensa e despudorada piada que ele quis contar.

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