Afinal de contas o quê, diabos, Roman Polanski
quis fazer com este filme? Uma rocambolesca comédia de erros de humor negro?
Uma espécie de “Alice No País das Maravilhas” distorcido, malicioso, adulto e
sarcástico?
A bela e espevitada Sidne Rome interpreta
Nancy, uma americana em viagem pela Itália, quando uma carona malfadada termina
lhe deixando, não atrás de um coelho branco, mas fugindo de potenciais
estupradores (no que é, existencialmente, uma dor de cabeça recorrente para a
protagonista ao longo do filme).
Ela desce um teleférico à beira de uma estrada
–uma espécie de passagem que, tal e qual o buraco em “Alice...” a leva, não
apenas para baixo, mas para um lugar aonde tudo parece soar como outro mundo, mais
insano, mais absurdo e hostil daquilo que é tido por normal.
Lá, ela encontra uma vila mediterrânea quase
labiríntica com passagens e acomodações laterais umas às outras, repleta de
personagens estranhos com um comportamento de freqüente desvio sexual –quando
não a ignoram, ou maltratam, deliberadamente, seu interesse é em seu corpo e no
limite que pode haver em sua permissividade (uma atitude que, aliás, espelha
bastante as pulsões obscuras do próprio Polanskil cuja vida pública sempre
esteve às voltas com escândalos sexuais) –o próprio Polanski, por sinal,
interpreta um personagem; trata-se de um dos rapazes desmiolados que jogam ping
pong.
Certamente, contudo, aquele que mais se destaca
na narrativa vem a ser Marcello Mastroianni como uma espécie de Chapeleiro
Maluco –e, também ele, se mostra o senhor absoluto numa mesa de chá! Esse personagem
é ilustrativo do nonsense que predomina nas demais caracterizações: Insiste
paulatinamente que não é um cafetão (do qual os outros lhe acusam), mas
involuntariamente é essa a postura que adota em sua relação com Nancy; refuta
completamente as afirmações alheias de que tenha sífilis, porém, ostenta uma
série de suspeitos sintomas (as feridas que ele diz serem mordidas de mosquito,
as coceiras descontroladas...), é, de certa maneira, um comentário sardônico e
sarcástico de Polanski sobre as contradições adultas, como em muitos aspectos a
obra de Lewis Caroll também era.
Há inclusive uma aura farsesca na forma com que
os acontecimentos se sucedem –e, de novo, tornam a se repetir, como se
sugerissem à heroína que ela está em um ciclo deveras vicioso.
De fato, o vício parece ser o mote por meio do
qual Polanski constrói seu desigual senso de humor; um humor difícil, fácil de
ser incompreendido, talvez, uma verve por meio da qual ele pôde se despir do
fatalismo de seu projeto anterior, o sangrento “Macbeth”.
Além de Mastroianni, o personagem que mais se
destaca em meio às dezenas que se apresentam nesta comédia caótica e tortuosa
é, sem dúvidas, o dito proprietário do local em que a jovem protagonista se
perde, o Sr. Joseph Noblart (talvez um trocadilho com o termo ‘noble art’,
nobre arte –pois a arte, neste filme, está por todos os lugares, nos quadros
que infestam as paredes e até em recriações realizadas nas cenas) vivido pelo
veterano Hugh Griffith ( vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo clássico
“Ben Hur”), o destino dele, que conduz ao surreal desfecho do filme, é o mais
irônico e indicativo dos propósitos questionadores de Polanski para com este
filme –se é que ele tinha qualquer tipo de propósito...
O final, quando Nancy,
farta do nonsense predominante e das intermináveis obsessões sexuais de todos,
mas acima de tudo, acuada por motivos irrisórios, parte embora (completamente
nua!), sob o pretexto de que “o filme está terminando” (!), é um trocadilho de
metalinguagem carregado de astúcia e sarcasmo –é Polanski dando uma piscadela
para o público, caso este não tenha percebido a imensa e despudorada piada que
ele quis contar.
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