segunda-feira, 31 de maio de 2021

Silverado


 Nos anos 1980, o diretor e roteirista Lawrence Kasdan passeou pelos mais diversos gêneros a fim de saciar sua ‘fome’ por cinema. Certamente, entre as opções, não poderia faltar o faroeste, algo que ele realizou em 1985, após “Corpos Ardentes” e “O Reencontro”, concebendo “Silverado”. A visão do gênero partilhada por Kasdan e por seu irmão Mark (colaborador dele no roteiro), contudo, não tinha quaisquer reflexos das ramificações do faroeste de então –os spaghetti, feitos na Europa ou os revisionistas, feitos nos EUA mesmo –na verdade, sua visão não tinha sequer as questões e considerações subliminares das obras de John Ford e Howard Hawks: O moleque ávido e entusiasmado por faroeste que Kasdan foi um dia fomentou nele uma necessidade de realizar um filme norteado tão somente por seu senso de aventura. E essa decisão permeia e define “Silverado” do início ao fim.

A primeira cena, habilidosa nos quesitos técnicos dispostos pela produção, mostra Emmett, o protagonista de Scott Glenn, num barraco escuro e fechado, a trocar tiros com inimigos escondidos do lado de fora. Encerrada a breve cena –com a morte de seus oponentes –Emmett sai porta afora, seguido pela câmera em movimento, num take que remete deliberadamente à clássica introdução de “Rastros de Ódio”.

E está então estabelecido tudo o que o filme de Kasdan vai ser (e o que não vai ser): Um faroeste de tintas tão românticas quanto heróicas, imbuído do clima de matinê dos faroestes de antigamente –antes que o gênero ganhasse elementos existenciais, e profundas análises de cunho histórico ou até metalinguístico. Assim, na sequência, Emmett cruza-se com o outro protagonista do filme (tão ou até mais importante que ele), Paden, personagem vivido pelo sempre carismático Kevin Kline. Ele surge só de ceroulas largado no deserto e, ao receber auxílio de Emmett, logo estabelecem a parceria que haverá de perdurar por todo o filme.

Emmett vai até a cidadezinha de Turley, onde encontra o irmão caçula, Jake (Kevin Costner, num personagem mais descontraído do que de costume) em apuros com as autoridades locais. Escapando por um triz do xerife (vivido por John Cleese), graças à ajuda do pistoleiro negro Mal Johnson (Danny Glover), os quatro decidem rumar para a cidade de Silverado, onde mora da irmã de Emmett e Jake, e para onde ele pretende ir, uma vez que saiu há pouco da cadeia onde esteve por cinco anos.

Entretanto, nesse caminho, complicações usuais do faroeste os perseguem: Eles resolvem auxiliar uma caravana com o mesmo destino deles –em meio à qual se encontra a personagem sub-aproveitada da bela Rosanna Arquette –cujos ocupantes tiveram seu dinheiro roubado. No decurso de inúmeras idas e vindas, todos chegam em Silverado, somente para descobrir os verdadeiros problemas que lá os esperam; e que são essenciais ao plot: Para Emmett e Jake, o filho do homem que Emmett matou (morte pela qual pagou com a prisão), tem um plano de vingança pronto para ser posto em prática; para Mal, cujo o pai, Ezra (Joe Seneca) passa poucas e boas para sustentar a terra da família, e a irmã Rae (Lynn Whitfield) tem de prostituir-se no saloon local, estão reservados os mesmos perigosos aborrecimentos que alguém tentando enfrentar a discriminação e a injustiça deve encarar; e para Paden, cujo xerife local, o desonesto Cobb (Brian Dennehy) coloca sob suas asas assim que chega a Silverado, resta um difícil dilema: Ajudar os novos amigos, indo contra um homem que a ele se aliou, ou omitir-se de todas as terríveis ciladas para eles preparadas.

A resposta para isso não é nenhuma surpresa: A força de “Silverado” não está na subversão de narrativas clássicas desse gênero, mas no reencontro ávido e apaixonado com esses expedientes, no clima épico imediatamente reconhecível de quando tais momentos estão se aproximando e, nesse sentido, “Silverado” não deseja, em momento algum decepcionar seu público –aquele tipo de expectador que almeja encontrar um faroeste descomplicado, onde mocinhos e bandidos são definidos com características absolutamente reconhecíveis, e seus empates –ilustrados com pompa e circunstância dramática –seguem os rituais de praxe que emolduram grandes momentos da Velha Hollywood.

Em sua evoção do que o gênero tem de mais clássico, “Silverado” não deixa de encontrar pequenos lapsos que se fazem mais evidentes conforme o tempo foi passando. Seu maior defeito é a tremenda falta de profundidade em relação aos enredos individuais de cada personagem, um problema bastante razoável para um filme que se divide entre tantos protagonistas e almeja dar uma sub-trama a cada um.

A despeito disso, “Silverado” segue sendo aquilo que dele seu realizador queria mesmo fazer: Um entretenimento à moda antiga, amparado no carisma palpitante de seus astros, no charme trivial e anacrônico do gênero que homenageia, nas inúmeras cenas inconfundíveis que o compõem (as cavalgadas em panorâmicas paisagens americanas; os duelos à céu aberto) e na oposição dos homens bravos que se elevam contra o mau-caratismo e a vilania, e os desregrados corruptos de uma terra sem lei que os enfrentam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário