sábado, 28 de janeiro de 2017

Rastros de Ódio

A abertura –uma das mais espetaculares do cinema! –é uma espécie de empurrão em direção a outro mundo, outra época: A câmera registra o abrir de uma porta que conduz à amplitude de um vasto cenário, aquele que marca a maior parte da filmografia de John Ford, o Monument Valley.
Somos então introduzidos no ambiente familiar para o qual o taciturno Ethan Edwards (John Wayne, mítico) retorna após vários anos, nitidamente brutalizado por suas experiências na Guerra Civil. Logo de início, o diretor John Ford é hábil em estabelecer as diretrizes dramáticas de seu filme: Ethan tem por essa família um afeto que sua truculência torna incapaz de expressar.
A mesma família que, na sucessão de cenas seguintes, ele irá tragicamente perder: Eles são atacados por índios comanches quando Ethan e outros soldados comandados pelo Capitão Reverendo Clayton (War Bond) se encontram ausentes.
O diretor evita as cenas mais pesadas de violência –a tragédia que engatilha a trama não é mostrada, mas seu fatalismo sugerido é de uma contundência inédita na obra de Ford, ilustrado pela luz avermelhada do pôr-do-sol cor de sangue que antecede o momento.
Todos morrem, com exceção de Debbie (que mais tarde, será interpretada por Natalie Wood), a caçula da família, raptada e levada para ser criada por um chefe indígena conhecido por Scar (Henry Brandon, num papel breve, mas tão acalentado pelo roteiro quando o de Wayne).
Acompanhado daquele que é seu sobrinho adotivo, Martin Pawley (Jeffrey Hunter), Ethan vaga pelas intermináveis pradarias norte-americanas, enfrentando os distintos rigores das estações, consumido por um desejo sombrio de vingança –o quê (para a perplexidade do jovem Martin) pode levar Ethan até mesmo a matar Debbie, caso ela tenha se adaptado à cultura indígena.
Nesse percurso, Ford não se vale de intertítulos para avisar o expectador dos cinco longos anos que se passam –ele faz com que essa seja uma sensação experimentada cena a cena, a medida que a obstinação de Ethan e Martin, transfigurada pela frustração contínua, dá lugar à obsessão, sem nunca deixar de evidenciar o preço que essa busca cobrou a cada um dos personagens: Martin, por muito pouco, não sacrifica seu casamento com a jovem Laurie (Vera Miles), e Ethan abandona gradativamente a humanidade que ainda lhe resta.
Essa capacidade de amar é nele resgatada pela própria Debbie já no desfecho do filme, quando Ethan percebe o erro de se deixar infectar pelo ódio.
O momento em que, por fim, ele devolve Debbie à família que a criará é uma das maiores e mais expressivas cenas do cinema, onde se percebe toda tenacidade dramática capaz de ser atingida pelo diretor Ford: A mesma porta recebe, para dentro de sua casa a jovem que outrora esteve desaparecida, assim como todos os membros de sua família, menos Ethan. Ele apenas observa de fora, ciente que não faz parte deles. A câmera de Ford, num movimento tão discreto quanto emocionalmente poderoso, retoma o mesmo enquadramento com o qual o filme se iniciou e a porta se fecha, mostrando Ethan caminhando desolado em direção ao horizonte.
Eis aqui, também, um dos mais espetaculares finais do cinema.

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