Das tantas transposições que “A Christmas Carol”, de Charles Dickens, publicado em 1843, recebeu para a tela grande, “Os Fantasmas Contra-Atacam”, de Richard Donner, ocupa um lugar curioso, por inúmeras razões: É realizado por um diretor (Donner, tendo um ano antes entregado o primeiro “Máquina Mortífera”) que não tinha maior desenvoltura para a comédia (ainda que em sua gênese, o conto de Dickens, deveras não fosse uma); possuía uma aura de traquinagem cultural típica dos anos 1980 com uma ligeira desconstrução da obra que almeja homenagear; e ainda oferecia a chance de conferir um desempenho sempre caótico, notável e melindroso do grande Bill Murray, talvez um dos mais perfeitos atores do cinema para incorporar sem ranço a avareza compulsiva do protagonista. Tudo isso somado, hoje, ao fato de que “Os Fantasmas Contra-Atacam” se tornou uma produção pouco conhecida do grande público faz do ato de rememorá-lo um interessante exercício de resgate de um trabalho que merece muito uma segunda chance do expectador.
“Scrooged” –título original do filme sendo que “Os
Fantasmas Contra-Atacam” foi um picareta título nacional bolado para aproveitar
o grande sucesso de Murray em “Os Caça-Fantasmas” –começa nos dias que precedem
o feriado do Natal. Contudo, para o personagem principal, Frank Cross (Bill
Murray, em toda sua impecável fleuma de indiferença cínica), as festividades
natalinas nada significam: O objetivo dele é, acima de tudo, fazer com que a
programação vespertina da emissora de TV da qual é um executivo implacável
funcione com perfeição; e nesse objetivo não estão incluídas a consideração e a
compaixão por seus subalternos. Tanto é que, já na véspera de Natal, ele demite
sem misericórdia um funcionário.
Talvez por conta dessa atitude –ou, talvez por
conta de todo o acúmulo de apatia que norteou a vida de Frank nos últimos anos –ele
recebe a curiosa visita sobrenatural de seu mentor já falecido Lew Hayward (o
veterano John Forsythe, cuja deterioração cadavérica é recriada pela maquiagem
com humor macabro). Ao contrário do que Frank inicialmente supunha, Lew não lhe
aparece para referendar seus atos ranzinzas diante da máxima do ‘sucesso a
qualquer custo’, mas, sim para lhe explicar o quanto errou em vida. e do quanto
não deseja que o mesmo se repita com ele. Por causa disso, ele adverte Frank:
Ele receberá a visita de três fantasmas que lhe mostrarão tudo o que a ambição
e a antipatia não lhe deixaram ver.
Assim, seguindo a estrutura narrativa já
clássica concebida por Dickens, Frank recebe a visita do irrequieto Fantasma
dos Natais Presentes (Carol Kane, de “Valentino, O Ídolo, O Homem”), na
verdade, uma fada que não lhe poupa bordoadas na cabeça (!), e que o leva para
testemunhar, invisível e inaudível, o Natal de outras pessoas que, naquele
momento, se esforçam para fazer felizes umas às outras; já o Fantasma dos
Natais Passados (o impagável David Johansen) surge caracterizado como um
taxista capaz de viajar no tempo e, a bordo de seu taxi, leva David a
vislumbrar os dolorosos percalços do Natal de sua própria família quando
criança e, de certa forma, a gênese de boa parte de sua amargura; por fim, o
terceiro e último, o Fantasma dos Natais Futuros (um espectro obscuro,
silencioso e ameaçador), termina por lhe confrontar com um futuro cinzento e
lúgubre onde seu comportamento contaminou até mesmo a adorável Claire (Karen
Allen, de “Cruising”), o grande amor de sua vida que, de uma pessoa iluminada,
otimista e calorosa, se tornou um poço de amargura a espelhar o comportamento
do próprio Frank.
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