domingo, 18 de setembro de 2022

Os Fantasmas Contra - Atacam


 Das tantas transposições que “A Christmas Carol”, de Charles Dickens, publicado em 1843, recebeu para a tela grande, “Os Fantasmas Contra-Atacam”, de Richard Donner, ocupa um lugar curioso, por inúmeras razões: É realizado por um diretor (Donner, tendo um ano antes entregado o primeiro “Máquina Mortífera”) que não tinha maior desenvoltura para a comédia (ainda que em sua gênese, o conto de Dickens, deveras não fosse uma); possuía uma aura de traquinagem cultural típica dos anos 1980 com uma ligeira desconstrução da obra que almeja homenagear; e ainda oferecia a chance de conferir um desempenho sempre caótico, notável e melindroso do grande Bill Murray, talvez um dos mais perfeitos atores do cinema para incorporar sem ranço a avareza compulsiva do protagonista. Tudo isso somado, hoje, ao fato de que “Os Fantasmas Contra-Atacam” se tornou uma produção pouco conhecida do grande público faz do ato de rememorá-lo um interessante exercício de resgate de um trabalho que merece muito uma segunda chance do expectador.

“Scrooged” –título original do filme sendo que “Os Fantasmas Contra-Atacam” foi um picareta título nacional bolado para aproveitar o grande sucesso de Murray em “Os Caça-Fantasmas” –começa nos dias que precedem o feriado do Natal. Contudo, para o personagem principal, Frank Cross (Bill Murray, em toda sua impecável fleuma de indiferença cínica), as festividades natalinas nada significam: O objetivo dele é, acima de tudo, fazer com que a programação vespertina da emissora de TV da qual é um executivo implacável funcione com perfeição; e nesse objetivo não estão incluídas a consideração e a compaixão por seus subalternos. Tanto é que, já na véspera de Natal, ele demite sem misericórdia um funcionário.

Talvez por conta dessa atitude –ou, talvez por conta de todo o acúmulo de apatia que norteou a vida de Frank nos últimos anos –ele recebe a curiosa visita sobrenatural de seu mentor já falecido Lew Hayward (o veterano John Forsythe, cuja deterioração cadavérica é recriada pela maquiagem com humor macabro). Ao contrário do que Frank inicialmente supunha, Lew não lhe aparece para referendar seus atos ranzinzas diante da máxima do ‘sucesso a qualquer custo’, mas, sim para lhe explicar o quanto errou em vida. e do quanto não deseja que o mesmo se repita com ele. Por causa disso, ele adverte Frank: Ele receberá a visita de três fantasmas que lhe mostrarão tudo o que a ambição e a antipatia não lhe deixaram ver.

Assim, seguindo a estrutura narrativa já clássica concebida por Dickens, Frank recebe a visita do irrequieto Fantasma dos Natais Presentes (Carol Kane, de “Valentino, O Ídolo, O Homem”), na verdade, uma fada que não lhe poupa bordoadas na cabeça (!), e que o leva para testemunhar, invisível e inaudível, o Natal de outras pessoas que, naquele momento, se esforçam para fazer felizes umas às outras; já o Fantasma dos Natais Passados (o impagável David Johansen) surge caracterizado como um taxista capaz de viajar no tempo e, a bordo de seu taxi, leva David a vislumbrar os dolorosos percalços do Natal de sua própria família quando criança e, de certa forma, a gênese de boa parte de sua amargura; por fim, o terceiro e último, o Fantasma dos Natais Futuros (um espectro obscuro, silencioso e ameaçador), termina por lhe confrontar com um futuro cinzento e lúgubre onde seu comportamento contaminou até mesmo a adorável Claire (Karen Allen, de “Cruising”), o grande amor de sua vida que, de uma pessoa iluminada, otimista e calorosa, se tornou um poço de amargura a espelhar o comportamento do próprio Frank.

Como é bastante comum numa obra edificante regida de humor onde o protagonista vai de encontro à ética, “Scrooged” perde muito de sua graça, fluidez e inspiração quando adentra seu inevitável desfecho sentimental, embora seja possível, também ali, identificar alguma emoção genuína. Até chegar lá, entretanto, o filme de Donner oferece ao público uma atualização bastante requintada e divertidamente sarcástica dos valores imortalizados no conto de Dickens, além de um formidável aparato técnico onde se sobressaem com pomba e circunstância os arrojados efeitos visuais e de maquiagem.

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