segunda-feira, 24 de julho de 2017

Máquina Mortífera - A Quadrilogia

Máquina Mortífera
É possível que hoje seja necessário explicar, para um expectador adolescente a importância que teve a série “Máquina Mortífera” para o cinema de ação a partir dos anos 1980, para a carreira de Mel Gibson (cujo estrelato ele deve à série “Mad Max” e à esta!) e para o gênero de filmes policias cujo filão de “filmes sobre parceiros” ganhou aqui um modelo de excelência para seguir.
Nem todos os exemplares são primorosos, é bom dizer, mas a série é um dos poucos casos em que um mesmo diretor (Richard Donner, neste caso) conseguiu se manter à frente de todos os capítulos –no cinema norte-americano, os casos em que me lembro são Francis Ford Coppola (“O Poderoso Chefão”), Steven Spielberg (“Indiana Jones”), Blake Edwards (“A Pantera Cor-de-Rosa”), Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis”), Robert Zemeckis (“De Volta Para O Futuro”) e Christopher Nolan (“Batman”).
O primeiro filme é, talvez, aquele que melhor equilibra o tempo entre seus dois protagonistas –talvez, porque a trama, em grande parte, se vale de um certo suspense criado em torno da instabilidade de Martin Riggs, personagem de Mel Gibson.
O personagem de Danny Glover, por sua vez, é Roger Murtaugh, um detetive já experiente da polícia de Los Angeles que se vê bastante confortável com a vida que leva. De uma hora para outra, isso tudo muda quando lhe é designado Riggs como parceiro, até então policial do departamento de narcóticos. Ao contrário de Murtaugh, pacato pai de família, Riggs é viúvo e, embora seja considerado apto para o trabalho, tem, em decorrência da morte da esposa, uma perigosa tendência ao suicídio, o quê complicada consideravelmente a vida de seu novo parceiro, especialmente quando os dois começam a investigar a morte de uma jovem, e a relação disso com um comércio de heroína coordenado por um ex-agente da CIA.
Conduzido com um refinamento inédito para filmes policiais de ação de então, “Máquina Mortífera” foi uma grata surpresa graças ao roteiro detalhado, espirituoso e inteligente de Shane Black e à direção notável de Richard Donner, duas forças que iniciaram uma pequena reformulação no gênero.

Máquina Mortífera 2
O melhor filme da série.
O primeiro “Máquina Mortífera” surpreendeu o público com uma receita, à época, incomum para um filme de ação, já o segundo, surpreendeu pela perícia com que os realizadores conseguiram superar o antecessor –talvez, porque realizar esta continuação já estivesse primeiramente nos planos do roteirista Shane Black (aqui recebendo o auxílio de Jeffrey Boam, de “Indiana Jones e A Última Cruzada”), que idealizou um desfecho primordial para as maluquices do oficial Riggs.
O segundo filme já começa dizendo a que veio numa seqüência espetacular de perseguição: Um exercício de virtuosismo plenamente indicativo da habilidade do diretor Donner.
A bordo de uma viatura, Riggs e Murtaugh perseguem um veículo suspeito em disparada, e que fica ainda mais suspeito a medida que vai obrigando mais e mais agentes da polícia a se unirem em sua captura.
É a partir dessa cena inicial espetacular que se desenrola o fio narrativo que constituirá a ágil trama desse segundo filme que coloca Riggs e Murtaugh (agora bem mais habituados um com o outro) atrás de uma quadrilha de traficantes controlada por um diplomata da África do Sul, Arjen Rudd (Joss Ackland, um vilão padrão dos anos 1980). Eventualmente, Riggs acaba por se envolver com a bela secretária Rika Van Des Hass (a ótima Patsy Kensit), ao mesmo tempo em que vem a descobrir que o braço direito do vilão, Vorstedt (Derrick O’ Connor), é também o homem que matou a sua esposa.
Ao longo do filme, o diretor Donner entrega uma sucessão de cenas eletrizantes e memoráveis: Além da seqüência inicial, vemos um bandido ser decapitado por uma prancha de surf durante uma perseguição (!); em outra cena, Murtaugh perfura um inimigo com rebitadas de um martelo hidráulico; o mesmo Murtaugh, numa das cenas mais tensas (e engraçadas!) do filme tem de salvar-se de uma bomba instalada em seu vaso sanitário (!); e perto do fim, a caminhonete de Riggs proporciona o espetacular desabamento de uma luxuosa casa envidraçada nas colinas de Hollywood.
Outro fator marcante para a série é a introdução do personagem de Leo Gertz (vivido pelo baixinho Joe Pesci), como o “alívio cômico” oficial da série –embora neste filme ele tenha uma relevância de mais seriedade para com a trama –quando este é detido pela dupla por envolvimento com limpeza de dinheiro proveniente do narcotráfico.

Máquina Mortífera 3
Sem os roteiros de Shane Black –cujo plano era mesmo que a história de Riggs se encerrasse no segundo filme –os filmes subseqüentes se converteram exatamente naquilo que “Máquina Mortífera” aparentava ser, mas no fundo não era: Produções genéricas com fusões ocasionalmente exageradas de comédia e ação.
Como conseqüência disso, uma fórmula se estabeleceu: Um início frenético (espelhando o brilhante prólogo da segunda produção) em geral, sem qualquer conexão com o restante do filme –mais ou menos como as aberturas dos filmes de James Bond –e então a trama pontuada pelos bordões habituais –“Estou ficando velho demais para isso” –na qual A) Riggs ostentava sempre descaso para com vilões e autoridades maiores, B) Joe Pesci, ou melhor, o seu personagem, era carinhosamente destratado pela dupla, que acabou fazendo dele uma espécie de alívio cômico da saga, C) a personagem de Rene Russo, o par romântico de Riggs a partir deste filme, ostentava habilidade prodigiosa de artes marciais e D) o filme ia num crescendo de ação, pancadaria e tiroteios até o final.
São esses ingredientes que conduzem a trama que coloca os dois protagonistas inicialmente como dois rebaixados guardas de trânsito (em conseqüência da apoteótica cena inicial onde acabam já explodindo um prédio inteiro), para em seguida se verem na trilha de uma quadrilha de contrabandistas de armas.
Lançado nos cinema no verão de 1993, “Máquina Mortífera 3”, à época, precisou de todo seu apelo junto ao público e do magnetismo notório que Mel Gibson possuía junto aos expectadores para superar um imprevisto de última hora: A repercussão extremamente negativa do vídeo em que policiais americanos eram mostrados espancando um jovem negro inocente, cuja intensa celeuma deflagrada no período ameaçava a trajetória comercial de filmes como este, estrelados por policiais.

Máquina Mortífera 4
Mel Gibson não é nada bobo. Ele tinha consciência do quão drástico havia sido a queda de qualidade do segundo para o terceiro filme. Com sua carreira estável e aproveitando, já durante a década de 1990, os louros colhidos pelo sucesso de público e crítica da superprodução que dirigiu, “Coração Valente”, não faziam parte de seus planos retomar a série “Máquina Mortífera”. Nem mesmo o cachê vultuoso oferecido pelo estúdio contribuiu para seu regresso. Na verdade, o quê terminou determinando a volta de Gibson –e, por conseqüência, a viabilização do quarto filme –foi um pedido pessoal do amigo Danny Glover: Ele encontrava dificuldade em obter um bom papel em Hollywood sendo “Máquina Mortífera” uma de suas poucas alternativas, por isso, ele praticamente implorou para Gibson aceitar fazer o novo filme.
Neste quarto episódio, os elementos que caracterizavam a série (e que em parte a banalizavam) já estão completamente assimilados pela equipe técnica e pelo elenco. Os atores na verdade parecem encarar tudo como uma grande brincadeira, fato que é potencializado pela atmosfera de grande família que o diretor Richard Donner criou no set ao longo de todos os filmes –e que é absolutamente ratificada nas fotos (tiradas ao longo de todos os quatro filmes) que ilustram os créditos finais. Pena que essa camaradagem acabe se refletindo numa tendência a suavizar bastante uma série que começou violenta e frenética.
Tratado como o episódio final da saga (o que terminou, de fato, acontecendo) esta “parte 4” encontra Riggs e Murtaugh já estabelecidos, deixando a atribulação das cenas de ação para os mais jovens: Agora o bordão “Estou ficando velho demais para isso!” não é mais exclusividade de Murtaugh, mas sim compartilhado pelos dois. Prova disso é a introdução, um tanto forçada e sem muita graça, de Chris Rock, até inesperadamente sério, como um jovem detetive relutantemente envolvido com a filha de Murtaugh.
O roteiro, bem mais ameno e menos violento que nos primeiros filmes, trata de reforçar os conceitos de família: Não só a família de Murtaugh aumenta exponencialmente aqui, como também Riggs e a detetive Lorna Cole (Rene Russo) vão agora ter um filho. Diante disso, é também natural que a representação da criminalidade ganhe assim ares mais simplistas e exóticos; eles agora se deparam contra Wah Sing Ku, desejoso de mobilizar todo o crime organizado de Chinatown e mover um império (e contra muitos prognósticos, o ágil e vigoroso Jet Li revela-se mesmo assim o mais sensacional vilão de toda a saga!).
Os momentos de clímax parecem constantemente insinuar (mas, deliberadamente, jamais concretizar) uma possível morte de Riggs, algo com o qual a série sempre flertou –e até mesmo o marketing deste quarto filme trabalhou em cima dessa possibilidade; entretanto, isso não acontece –e dificilmente viria a acontecer logo neste último e mais “familiar” exemplar da série.
Em tempo: Gibson e o diretor Richard Donner prolongaram sua parceria para além deste projeto em filmes bem interessantes como o inventivo suspense “A Teoria da Conspiração” e o faroeste “Maverick”. Eventualmente ainda falaremos deles...

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