Máquina
Mortífera
É possível que hoje seja necessário explicar,
para um expectador adolescente a importância que teve a série “Máquina
Mortífera” para o cinema de ação a partir dos anos 1980, para a carreira de Mel
Gibson (cujo estrelato ele deve à série “Mad Max” e à esta!) e para o gênero de
filmes policias cujo filão de “filmes sobre parceiros” ganhou aqui um modelo de
excelência para seguir.
Nem todos os exemplares são primorosos, é bom
dizer, mas a série é um dos poucos casos em que um mesmo diretor (Richard
Donner, neste caso) conseguiu se manter à frente de todos os capítulos –no
cinema norte-americano, os casos em que me lembro são Francis Ford Coppola (“O
Poderoso Chefão”), Steven Spielberg (“Indiana Jones”), Blake Edwards (“A
Pantera Cor-de-Rosa”), Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis”), Robert Zemeckis
(“De Volta Para O Futuro”) e Christopher Nolan (“Batman”).
O primeiro filme é, talvez, aquele que melhor
equilibra o tempo entre seus dois protagonistas –talvez, porque a trama, em
grande parte, se vale de um certo suspense criado em torno da instabilidade de
Martin Riggs, personagem de Mel Gibson.
O personagem de Danny Glover, por sua vez, é
Roger Murtaugh, um detetive já experiente da polícia de Los Angeles que se vê
bastante confortável com a vida que leva. De uma hora para outra, isso tudo
muda quando lhe é designado Riggs como parceiro, até então policial do
departamento de narcóticos. Ao contrário de Murtaugh, pacato pai de família,
Riggs é viúvo e, embora seja considerado apto para o trabalho, tem, em
decorrência da morte da esposa, uma perigosa tendência ao suicídio, o quê
complicada consideravelmente a vida de seu novo parceiro, especialmente quando
os dois começam a investigar a morte de uma jovem, e a relação disso com um
comércio de heroína coordenado por um ex-agente da CIA.
Conduzido com um refinamento inédito para
filmes policiais de ação de então, “Máquina Mortífera” foi uma grata surpresa
graças ao roteiro detalhado, espirituoso e inteligente de Shane Black e à direção
notável de Richard Donner, duas forças que iniciaram uma pequena reformulação
no gênero.
Máquina
Mortífera 2
O melhor filme da série.
O primeiro “Máquina Mortífera” surpreendeu o
público com uma receita, à época, incomum para um filme de ação, já o segundo,
surpreendeu pela perícia com que os realizadores conseguiram superar o
antecessor –talvez, porque realizar esta continuação já estivesse primeiramente
nos planos do roteirista Shane Black (aqui recebendo o auxílio de Jeffrey Boam,
de “Indiana Jones e A Última Cruzada”), que idealizou um desfecho primordial
para as maluquices do oficial Riggs.
O segundo filme já começa dizendo a que veio
numa seqüência espetacular de perseguição: Um exercício de virtuosismo
plenamente indicativo da habilidade do diretor Donner.
A bordo de uma viatura, Riggs e Murtaugh
perseguem um veículo suspeito em disparada, e que fica ainda mais suspeito a
medida que vai obrigando mais e mais agentes da polícia a se unirem em sua
captura.
É a partir dessa cena inicial espetacular que
se desenrola o fio narrativo que constituirá a ágil trama desse segundo filme
que coloca Riggs e Murtaugh (agora bem mais habituados um com o outro) atrás de
uma quadrilha de traficantes controlada por um diplomata da África do Sul,
Arjen Rudd (Joss Ackland, um vilão padrão dos anos 1980). Eventualmente, Riggs
acaba por se envolver com a bela secretária Rika Van Des Hass (a ótima Patsy
Kensit), ao mesmo tempo em que vem a descobrir que o braço direito do vilão,
Vorstedt (Derrick O’ Connor), é também o homem que matou a sua esposa.
Ao longo do filme, o diretor Donner entrega uma
sucessão de cenas eletrizantes e memoráveis: Além da seqüência inicial, vemos
um bandido ser decapitado por uma prancha de surf durante uma perseguição (!);
em outra cena, Murtaugh perfura um inimigo com rebitadas de um martelo
hidráulico; o mesmo Murtaugh, numa das cenas mais tensas (e engraçadas!) do
filme tem de salvar-se de uma bomba instalada em seu vaso sanitário (!); e
perto do fim, a caminhonete de Riggs proporciona o espetacular desabamento de
uma luxuosa casa envidraçada nas colinas de Hollywood.
Outro fator marcante para a série é a
introdução do personagem de Leo Gertz (vivido pelo baixinho Joe Pesci), como o
“alívio cômico” oficial da série –embora neste filme ele tenha uma relevância
de mais seriedade para com a trama –quando este é detido pela dupla por
envolvimento com limpeza de dinheiro proveniente do narcotráfico.
Máquina
Mortífera 3
Sem os roteiros de Shane Black –cujo plano era
mesmo que a história de Riggs se encerrasse no segundo filme –os filmes
subseqüentes se converteram exatamente naquilo que “Máquina Mortífera”
aparentava ser, mas no fundo não era: Produções genéricas com fusões
ocasionalmente exageradas de comédia e ação.
Como conseqüência disso, uma fórmula se
estabeleceu: Um início frenético (espelhando o brilhante prólogo da segunda
produção) em geral, sem qualquer conexão com o restante do filme –mais ou menos
como as aberturas dos filmes de James Bond –e então a trama pontuada pelos
bordões habituais –“Estou ficando velho demais para isso” –na qual A) Riggs
ostentava sempre descaso para com vilões e autoridades maiores, B) Joe Pesci,
ou melhor, o seu personagem, era carinhosamente destratado pela dupla, que
acabou fazendo dele uma espécie de alívio cômico da saga, C) a personagem de
Rene Russo, o par romântico de Riggs a partir deste filme, ostentava habilidade
prodigiosa de artes marciais e D) o filme ia num crescendo de ação, pancadaria
e tiroteios até o final.
São esses ingredientes que conduzem a trama que
coloca os dois protagonistas inicialmente como dois rebaixados guardas de
trânsito (em conseqüência da apoteótica cena inicial onde acabam já explodindo
um prédio inteiro), para em seguida se verem na trilha de uma quadrilha de
contrabandistas de armas.
Lançado nos cinema no verão de 1993, “Máquina
Mortífera 3”, à época, precisou de todo seu apelo junto ao público e do
magnetismo notório que Mel Gibson possuía junto aos expectadores para superar
um imprevisto de última hora: A repercussão extremamente negativa do vídeo em
que policiais americanos eram mostrados espancando um jovem negro inocente,
cuja intensa celeuma deflagrada no período ameaçava a trajetória comercial de
filmes como este, estrelados por policiais.
Máquina
Mortífera 4
Mel Gibson não é nada bobo. Ele tinha
consciência do quão drástico havia sido a queda de qualidade do segundo para o
terceiro filme. Com sua carreira estável e aproveitando, já durante a década de
1990, os louros colhidos pelo sucesso de público e crítica da superprodução que
dirigiu, “Coração Valente”, não faziam parte de seus planos retomar a série
“Máquina Mortífera”. Nem mesmo o cachê vultuoso oferecido pelo estúdio
contribuiu para seu regresso. Na verdade, o quê terminou determinando a volta
de Gibson –e, por conseqüência, a viabilização do quarto filme –foi um pedido
pessoal do amigo Danny Glover: Ele encontrava dificuldade em obter um bom papel
em Hollywood sendo “Máquina Mortífera” uma de suas poucas alternativas, por
isso, ele praticamente implorou para Gibson aceitar fazer o novo filme.
Neste quarto episódio, os elementos que
caracterizavam a série (e que em parte a banalizavam) já estão completamente
assimilados pela equipe técnica e pelo elenco. Os atores na verdade parecem
encarar tudo como uma grande brincadeira, fato que é potencializado pela
atmosfera de grande família que o diretor Richard Donner criou no set ao longo
de todos os filmes –e que é absolutamente ratificada nas fotos (tiradas ao
longo de todos os quatro filmes) que ilustram os créditos finais. Pena que essa
camaradagem acabe se refletindo numa tendência a suavizar bastante uma série
que começou violenta e frenética.
Tratado como o episódio final da saga (o que
terminou, de fato, acontecendo) esta “parte 4” encontra Riggs e Murtaugh já
estabelecidos, deixando a atribulação das cenas de ação para os mais jovens:
Agora o bordão “Estou ficando velho demais para isso!” não é mais exclusividade
de Murtaugh, mas sim compartilhado pelos dois. Prova disso é a introdução, um
tanto forçada e sem muita graça, de Chris Rock, até inesperadamente sério, como
um jovem detetive relutantemente envolvido com a filha de Murtaugh.
O roteiro, bem mais ameno e menos violento que
nos primeiros filmes, trata de reforçar os conceitos de família: Não só a
família de Murtaugh aumenta exponencialmente aqui, como também Riggs e a
detetive Lorna Cole (Rene Russo) vão agora ter um filho. Diante disso, é também
natural que a representação da criminalidade ganhe assim ares mais simplistas e
exóticos; eles agora se deparam contra Wah Sing Ku, desejoso de mobilizar todo
o crime organizado de Chinatown e mover um império (e contra muitos
prognósticos, o ágil e vigoroso Jet Li revela-se mesmo assim o mais sensacional
vilão de toda a saga!).
Os momentos de clímax parecem constantemente
insinuar (mas, deliberadamente, jamais concretizar) uma possível morte de
Riggs, algo com o qual a série sempre flertou –e até mesmo o marketing deste
quarto filme trabalhou em cima dessa possibilidade; entretanto, isso não
acontece –e dificilmente viria a acontecer logo neste último e mais “familiar”
exemplar da série.
Em tempo: Gibson e o
diretor Richard Donner prolongaram sua parceria para além deste projeto em
filmes bem interessantes como o inventivo suspense “A Teoria da Conspiração” e
o faroeste “Maverick”. Eventualmente ainda falaremos deles...
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