sábado, 1 de julho de 2023

À Procura de Mr. Goodbar


 Filmes são um produto de seu tempo –essa é uma frase que volta e meia aparece em minhas resenhas; a razão para isso é que, não raro, a análise dos filmes implica vislumbrar a época em que foram feitos, e concluir o quanto isso interfere nas obras que terminam se concretizando. Dirigido pelo veterano Richard Brooks, “À Procura de Mr. Goodbar” em sua essência conversa diretamente com outra obra do mesmo diretor, lançada décadas antes, “Disque Butterfield 8”. Como naquele filme, neste daqui, Brooks versa sua narrativa em torno de uma personagem às voltas com seu relacionamento com outros homens, envolto em questionáveis circunstâncias; como lá, também, a promiscuidade é um fantasma que assombra uma protagonista potencialmente cativante aos olhos do público. É nos elementos intrínsecos à época a que pertence que “À Procura de Mr. Goodbar” encontra seu diferencial: Realizado no final da década de 1970, à sombra dos impulsos criativos proporcionados pela Nova Hollywood –embora, deveras, Brooks não fosse um artesão vindo daquela nova geração –o filme salienta uma amargura, um niilismo e uma desilusão bastante característicos daquele período, numa tonalidade e numa intensidade que só então o cinema encontrava meios de expressar sem amenidades.

Theresa Dunn (Diane Keaton, soberba) é uma dedicada professora para deficientes auditivos ao dia, entretanto, à noite, Theresa se transforma: Sai, de bar em bar, à procura do que ela presume ser o homem perfeito.

Tal comportamento tem, de certa forma, uma explicação: Theresa experimentou, anos antes, todas as facetas traumáticas da repressão; tanto a física (quando submeteu-se, por um ano inteiro, a uma imobilização pós-cirúrgica para curar sua escoliose), quanto a espiritual (oriunda da severa criação recebida do pai, católico fervoroso). Em sua vida adulta, Theresa se descobre um indivíduo errante na Nova York dos anos 1970, quando as noções de culpa e pecado estavam sendo revistas por uma nova geração predisposta a enxergar o sexo e as relações modernas de uma nova maneira, diferente da geração anterior. Dentro desse contexto, Theresa, ainda assim, se permite ser inocente –ela sonha com uma espécie de príncipe encantado (à quem já deu até mesmo um nome simbólico, Mr. Goodbar!), e se presta à escrutínios cada vez mais degradantes na possibilidade de aproximar-se dos, digamos, candidatos. No percurso de sua busca, porém, Theresa não poderia ser mais shakesperiana: Quanto mais insiste em encontrar alguém que preencherá as angústias insondáveis de sua vida, mais Theresa se defronta com criaturas de índole torpe, dispostas a explorá-la e abusá-la. E eles são inúmeros: Uma longa fileira de seres imorais, escravos de seus próprios impulsos primitivos e egocêntricos –entre os quais os jovens rostos de Tom Berenger e Richard Gere (cujo personagem deste filme influenciou sua escalação para outros personagens posteriores, antes de conseguir demonstrar talento e desvencilhar-se dessa armadilha).

Theresa é, pois, uma de uma longa lista de personagens femininas  confrontadas com os aborrecimentos implacáveis acarretados aos que perseguem um sonho –tal e qual pode ser visto em “A Bela da Tarde”, de Luis Buñuel, em “Ondas do Destino”, de Lars Von Trier, ou em “Blonde”, de Andrew Dominik. E como em todos esses casos, aqui também parece se evidenciar uma certa misoginia da parte de seu diretor ao materializar uma via-crusis tão incontornavelmente cruel e inevitável para sua protagonista.

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