Maren (a notável Taylor Russell, de “Escape Room”) aparenta ser uma jovem normal, em busca de uma interação social satisfatória com suas colegas de escola. Entretanto, na primeira escapadela das vistas atenciosas do pai (André Holland) descobrimos de fato (e sem muita demora) o grande segredo que a perseguirá ao longo de todo o filme: Ao reunir-se com algumas garotas na casa de uma delas, Maren, que mal iniciou os primeiros estágios da amizade, não se contêm e quase arranca o dedo de uma das garotas com uma mordida (!). Maren é, na verdade, uma canibal (!). O anseio por carne humana lhe persegue desde quando sequer tinha idade para lembrar-se disso –como bem lhe informa o pai por meio de uma fita K7 gravada, deixada pouco antes dele abandoná-la. Sozinha pelos recônditos norte-americanos, Maren adota como objetivo de vida a busca pelo paradeiro da mãe (Chloe Sevigny), enquanto vai aprendendo, aos poucos, a identificar aqueles que, por incrível que possa parecer, são seus semelhantes: Infiltrados entre pessoas comuns, mas enfrentando relativa dificuldade em passarem-se por gente normal, estão, sim, outros canibais como ela –eles se auto-intitulam “devoradores” –incapazes de conter a necessidade quase enlouquecedora por carne humana que, mais cedo ou mais tarde, irá lhes assolar.
Dirigido pelo italiano Luca Guadagnino
(realizador até então de filmes irregulares que, em seus últimos três projetos,
deu um salto assombroso de inteligência, qualidade e sofisticação), “Bones
& All” vale-se do não tão comum expediente dos canibais que vivem entre nós
(embora filmes nessa temática tenham aflorado nos últimos anos como “Demônio de Neon”, “Amores Canibais” e o francês “Raw”), para emular uma narrativa
intimista, introspectiva e reflexiva que em muito se irmana à outras obras
vertentes do vampirismo cinematográfico –tal qual em trabalhos como “Fome de Viver” ou “Quando Chega A Escuridão” o fatalismo inerente à sua condição e
necessidade é uma realidade a ser aceita pelos personagens, no gradual entendimento
de que é aquilo que os norteia. Hábil entendedor de suas personas, Guadagnino
explora com calma e interesse a forma como cada um de seus excêntricos
personagens lida com aquilo que é: Sully (Mark Rylance, de “O Bom Gigante Amigo”), o primeiro ‘devorador’ que Maren vem a conhecer, é um homem errático,
antissocial e estranho, incapaz de esconder suas pulsões em seu comportamento
suspeito e amedrontador. Mais tarde, quando deixa Sully, Maren se encontra com
o jovem Lee (Timothée Chalamet, na segunda colaboração com Guadagnino depois do
premiado “Me Chame Pelo Seu Nome”) e com ele , encontra uma sintonia um pouco
mais apetecível; ambos jovens e arremessados numa mesma realidade itinerante,
Maren e Lee se envolvem, unidos na sua dedicação ao canibalismo, cúmplices nas
ciladas que elaboram para atrair suas vítimas. Na estrada, eles também conhecem
o feroz matuto Jake (o ótimo Michael Stulhbarg) cuja aceitação inconsequente do
próprio canibalismo perturba Maren tanto quanto Sully a perturbou.
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