Para o cinema Luis Buñuel é o próprio nome do
surrealismo. Expectadores sabem disso sem ter assisto aos seus filmes.
E eles são inúmeros. Diversos. Contraditórios.
Loucos. Iconoclastas.
A filmografia de Buñuel é pautada pelos altos e
baixos de sua própria vida, pelos locais a que foi exilado, pelas liberdades
(ou falta delas) que ele teve, neste ou naquele projeto.
Seu objetivo foi fazer filmes que fugissem à
unanimidade. Ele queria incomodar como em “Os Esquecidos”; queria alfinetar,
como em “Viridiana”. Acima de tudo, queria deixar nebulosas suas intenções
(queria não deixar claro o quê estava querendo!), como em “Esse Obscuro Objeto
do Desejo”, “O Anjo Exterminador”, “Tristana” e tantos outros. Desejava
instigar na mente do público uma interpretação própria e pessoal, indo na
contra-mão –veja só –do sistema industrial cinematográfico atual, que faz
filmes vazios, específicos e formulaicos.
“A Bela da Tarde” representa assim o ideário do
que Buñuel buscava. Quando se fala dele, é certamente esta obra que vem à
cabeça, antes de todas as outras. E é incrível como um filme, em princípio
feito para transgredir, consiga tanto encantar.
Buñuel amava paradoxos.
E Severine, a personagem vivida por uma
radiante (ainda que frígida) Catherine Deneuve é exatamente isso: Um paradoxo.
Dona de casa na alta burguesia francesa, ela vive num mundo cujo excesso de
conforto lhe tira toda a perspectiva de prazer e, em última instância, de
sentir-se viva. Para tanto, ela procura um bordel onde faz um arranjo no qual
atenderá seus clientes em segredo, no turno da tarde. Apesar do aspecto não
raro repulsivo de seus clientes, é servindo-lhes como prostituta que Severine
termina por sentir-se realizada de fato. Afinal, o quê a leva a essas atitudes?
Seriam atos de alguém que rende-se às facetas lúgubres de suas fantasias
sexuais? Então, o filme todo seria a materialização dessas fantasias? Se a
resposta é sim, podemos confiar que há um elemento de realidade no filme, ou
não? E se a resposta é não, de que forma ele faria sentido?
A contradição humana é, talvez, o grande tema
da filmografia de Buñuel. E ao observá-la, apreciá-la, esmiuçá-la, e
contextualizá-la, ele a torna parte de seus filmes, dando margem para
infindáveis elucubrações acerca das motivações de suas personas, de onde vieram
e para onde terminarão indo e, aqui em específico, onde necessariamente acaba a
alucinação e começa a realidade por assim dizer. Pois Buñuel não se vale de
expedientes para manter o expectador em sua zona de conforto. Não há
absolutamente como saber se o que passa com Severine é ou não um sonho; as
cenas se intercalam, mostrando ocasionalmente um despertar, sugerindo que era
sonho tudo o que veio antes dele, mas com Buñuel, nenhum desses padrões pode
ser considerado, e o filme adquire imenso fascínio sob a luz dessa dicotomia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário