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terça-feira, 18 de setembro de 2018

O Ritual da Pedra


O diretor Jean-Christophe Grange parece ambicionar, antes de mais nada, uma mistura atrativa de filme de arte e suspense comercial com esta intrigante história onde reúne Monica Bellucci (uma atriz belíssima e capaz de assídua presença em projetos europeus desiguais) numa trama sobre nebulosas práticas executadas em meio à uma obscura tradição mongol.
Laura Siprien (Bellucci) é a mãe adotiva de um garotinho mongol, Liu-Son. Aos sete anos de idade, ele passa a manifestar eventos estranhos ao redor de si: Surge em seu peito uma estranha marca e ele passa a ter pesadelos (e visões com animais) que estranhamente compartilha com Laura.
Numa dessas visões, um acidente automobilístico acontece, e Liu-Son é hospitalizado. Quando novos acontecimentos, um bocado alarmantes começam e se suceder (mortes sucessivas de pessoas ligadas a ele e ao seu passado), Laura decide investigar ao lado de um relutante agente do consulado russo (Moritz Bleibtreu, de “Corra, Lola Corra”) por meio do qual a criança foi adotada, o que aos poucos conduz ela à descoberta de uma conspiração realizada a partir de ancestrais crenças asiáticas –e na qual Liu-Son ocupa papel central.
Se a sinopse elabora com clareza os acontecimentos do filme não é isso que acontece durante a experiência de assistí-lo em seus dois primeiros terços: O diretor Grange se esbalda além da conta em enumerar pistas falsas e desviar a atenção do expectador para inúmeros elementos que nunca são aquilo que parecem ser.
Ele abusa da elegância numa narrativa cadenciada e flerta constantemente com a lentidão e a inconclusão até por fim começar a entregar as informações válidas de fato quando o filme já avançou para lá de sua metade. Isso prejudica profundamente o envolvimento com a trama e com o drama de seus personagens, embora Monica Bellucci segure o filme com extraordinária desenvoltura.
Ao fim, no entanto, a construção cuidadosa de seus suspense termina soando pretensiosa. Quando o filme revela enfim seus objetivos e finalidades, não se trata de nada que não vimos em outros lugares e em outras realizações.
Até arremata a obra com alguma dignidade, mas todo o restante do filme foi tão dedicado à uma sugestão de que os desenlaces seriam algo tão distinto que, quando vemos acontecer, parece até banal e corriqueiro –erro grave para um filme que se constrói em cima de tal mote.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Tristana - Uma Paixão Mórbida

A carreira de Luis Buñuel caminha paralela à tumultuada história política da Espanha no século XX: Ao realizar em 1932 o documentário “Terra Sem Pão”, Buñuel foi expulso da Espanha, dominada pela ditadura de Franco. Tal exílio o levou a concentrar sua produção cinematográfica na França e no México.
Após um breve regresso para a co-produção de “Viridiana”, em 1963 (e assim mesmo afrontando as autoridades com o teor provocativo daquela obra) ele voltou à Espanha somente em 1969, por ocasião do falecimento da mãe, e por lá ficou iniciando os trabalhos neste roteiro ao lado de Julio Alejandro.
A ironia é que, Buñuel, um dos mais celebrados e conhecidos cineastas espanhóis, realizou apenas três filmes em sua Espanha natal: “Terra Sem Pão”, “Viridiana” e este “Tristana-Uma Paixão Mórbida”.
A analogia comumente associada à sua premissa é de que seu protagonista, Dom Lope, representa a própria Espanha, enquanto sua personagem-título, personificada por Catherine Deneuve, vem a ser a Igreja –em se tratando de Buñuel, contudo, existem inúmeras relações e reflexões possíveis.
Ambientada em Toledo (cidade que tem para o diretor um tremendo significado afetivo e pessoal), a trama mostra o pequeno burguês Dom Lope (Fernando Rey, mais do que nunca interpretando um alter-ego de Buñuel) às voltas com o recente falecimento da esposa que lhe deixou uma enteada, Tristana (Deneuve, linda, num personagem deliberadamente distinto de “A Bela da Tarde”), que ele se incumbe de cuidar.
Dom Lope é um personagem minucioso em suas contradições: Vive como um cidadão bem-apessoado, mas prega a defesa dos contraventores ante a polícia; desdenha da devoção clerical de Tristana e de sua empregada, mas pouco a pouco se sujeita e se submete a ela; e embora trate a própria Tristana como filha, em sua insidiosa luxúria não tarda a fazer dela sua amante. E a atitude dela, ao menos nessa primeira parte, de fato demonstra uma passividade que a torna maleável e vulnerável à toda sorte de intenções de Dom Lope, que Buñuel jamais descuida de tornar um personagem bidimensional (o vilão da história, por exemplo).
Aos poucos, Tristana expressa seu asco e sua indignação por Dom Lope, o quê a leva a abandoná-lo e a fugir com um pobre pintor (Franco Nero).
Os anos se passam, e Tristana regressa à vida de Dom Lope já com seu casamento bastante deteriorado (o personagem de Nero não tarda a deixá-la) e com a saúde invariavelmente comprometida (um câncer no joelho a leva a amputar uma das pernas).
O infortúnio dessa trajetória opera uma mudança em Tristana: Se antes ela era radiante, ainda que submissa; agora ela é amarga e intolerante, ainda que concordada –ela aceita as sugestões vindas dos próprios padres para que se case com Dom Lope, que a recebe de bom grado. Mas, o matrimônio, para Tristana, tem mera função cerimonial; ela já não suporta Dom Lope, a ponto de sequer segurar sua mão.
A cena da sacada onde –numa subversão cruel de “Romeu & Julieta” –Tristana oferece sua nudez (velada) ao surdo-mudo filho da empregada, e se regozija em notar que suscitou terror ao invés de fascínio, é uma ilustração poderosa e brilhante da decrepitude moral ocorrida à personagem.
Se Dom Lope é, então, a Espanha e Tristana é, assim, a Igreja, Buñuel registra aqui um casamento cheio de perversidade, de oscilante dependência e claras intenções políticas –uma relação que começa com um abuso que resvala na imoralidade do incesto e progride para uma relação definida por conveniências de ordem existencial e niilista. É uma aceitação que vem com o tempo e com a idade (Buñuel parece compreender) e que se instala por meio de rituais –e é assim que a história é contada –são preparativos à mesa, para o banho, e na hora de deitar; é ao longo dessas situações que o filme se desenvolve.
E é na ironia suprema de uma delas que ele se encerra: Dom Lope, outrora tão intransigente quanto à Igreja e seus representantes (como o próprio Buñuel o foi) se vê sentado à mesa, bebendo chocolate quente na companhia de padres, a discutir interesses corriqueiros, enquanto no corredor ao lado, Tristana insiste em treinar seu caminhar com suas muletas e sua única perna. Logo na seqüência, Dom Lope tem um infarto que Tristana, em sua inclemência, parece pouco interessada em ajudar. Ele morre, só e no frio (a janela é displicentemente aberta pela própria Tristana) salientando a infelicidade que Buñuel parece vislumbrar através desse amargo fim.
Ou você morre jovem e convicto, ou velho e assolado pelas conseqüências de suas escolhas.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Repulsa Ao Sexo

A mente de Roman Polanski é um recôncavo de pesadelos que assombram a alma humana. Seu interesse por tudo que conduz a psiquê ao desequilíbrio é patente em sua filmografia, e talvez, o único elo de ligação de fato entre obras tão distintas como "Chinatown", "O Bebê de Rosemary", "O Pianista" e "O Escritor Fantasma".
Dentre tantos clássicos que o seu talento superlativo urgiu ao longo das últimas cinco décadas, a não tão conhecida "Trilogia do Apartamento" reúne os trabalhos mais representativos de quem Polanski é como cineasta e ser humano. Compõem essa trilogia "Repulsa Ao Sexo", "O Bebê de Rosemary" e "O Inquilino".
Difícil dizer qual é o mais magistral.
E mesmo esse dado é bastante significativo: Há uma dedicação toda especial que Polanski dedicou à essas três obras que as conectam uma à outra, não apenas pelo apelo claustrofóbico de seu ambiente restrito e fechado, mas também pelo primor com que Polanski as concebeu.
"Repulsa Ao Sexo" é o primeiro e talvez o que melhor permita vislumbrar uma evolução em Polanski, nos objetivos que ele possuía como contador de histórias, e na própria forma como ele expressava suas angústias: É sabido que ele não ficou satisfeito por completo com o resultado (embora seja magnífico), tanto que depois realizou "Armadilha do Destino" com François Dorléac (irmã, veja só, de Catherine Deneuve) no qual empregava alguns artifícios narrativos similares e que, segundo o próprio Polanski, resultou numa obra mais próxima do que ele desejava.
Discordo, "Repulsa" é infinitamente superior.
Pode-se dizer, desta vez, como pura especulação, que "O Inquilino" é, também ele, uma forma de Polanski rever e preencher lacunas que ele julgou ficarem vazias em "Repulsa" já que o protagonista em ambos possuem naturezas muito parecidas: Em "Repulsa", Deneuve, linda como nunca, é uma cabeleira belga morando em Londres; em "O Inquilino", o próprio Polanski é um imigrante polonês tentando viver em Paris.
Na sua história, a personagem de Deneuve desenvolve aos poucos uma aversão incontrolável e cada vez mais brutal ao sexo oposto. Sua âncora com a realidade e com a sanidade parece ser sua irmã, com quem divide um apartamento, mas no fim de semana em que ela vai viajar com o namorado, todas as neuroses represadas irão desabar conduzindo a uma tragédia.
A verdade é que a técnica de um ainda jovem Polanski compensa por completo a eventual simplicidade que a história pode revelar em um momento ou outro. O filme é repleto de cenas memoráveis como o corredor cujas paredes desenvolvem braços que agarram o corpo da protagonista, e as próprias cenas em si são de um brilhantismo palpável e espantoso. Uma obra-prima para ser vista, revista e compreendida, de repente, até mesmo por seu próprio realizador.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

A Bela da Tarde

Para o cinema Luis Buñuel é o próprio nome do surrealismo. Expectadores sabem disso sem ter assisto aos seus filmes.
 E eles são inúmeros. Diversos. Contraditórios. Loucos. Iconoclastas.
A filmografia de Buñuel é pautada pelos altos e baixos de sua própria vida, pelos locais a que foi exilado, pelas liberdades (ou falta delas) que ele teve, neste ou naquele projeto.
Seu objetivo foi fazer filmes que fugissem à unanimidade. Ele queria incomodar como em “Os Esquecidos”; queria alfinetar, como em “Viridiana”. Acima de tudo, queria deixar nebulosas suas intenções (queria não deixar claro o quê estava querendo!), como em “Esse Obscuro Objeto do Desejo”, “O Anjo Exterminador”, “Tristana” e tantos outros. Desejava instigar na mente do público uma interpretação própria e pessoal, indo na contra-mão –veja só –do sistema industrial cinematográfico atual, que faz filmes vazios, específicos e formulaicos.
“A Bela da Tarde” representa assim o ideário do que Buñuel buscava.  Quando se fala dele, é certamente esta obra que vem à cabeça, antes de todas as outras. E é incrível como um filme, em princípio feito para transgredir, consiga tanto encantar.
Buñuel amava paradoxos.
E Severine, a personagem vivida por uma radiante (ainda que frígida) Catherine Deneuve é exatamente isso: Um paradoxo. Dona de casa na alta burguesia francesa, ela vive num mundo cujo excesso de conforto lhe tira toda a perspectiva de prazer e, em última instância, de sentir-se viva. Para tanto, ela procura um bordel onde faz um arranjo no qual atenderá seus clientes em segredo, no turno da tarde. Apesar do aspecto não raro repulsivo de seus clientes, é servindo-lhes como prostituta que Severine termina por sentir-se realizada de fato. Afinal, o quê a leva a essas atitudes? Seriam atos de alguém que rende-se às facetas lúgubres de suas fantasias sexuais? Então, o filme todo seria a materialização dessas fantasias? Se a resposta é sim, podemos confiar que há um elemento de realidade no filme, ou não? E se a resposta é não, de que forma ele faria sentido?
A contradição humana é, talvez, o grande tema da filmografia de Buñuel. E ao observá-la, apreciá-la, esmiuçá-la, e contextualizá-la, ele a torna parte de seus filmes, dando margem para infindáveis elucubrações acerca das motivações de suas personas, de onde vieram e para onde terminarão indo e, aqui em específico, onde necessariamente acaba a alucinação e começa a realidade por assim dizer. Pois Buñuel não se vale de expedientes para manter o expectador em sua zona de conforto. Não há absolutamente como saber se o que passa com Severine é ou não um sonho; as cenas se intercalam, mostrando ocasionalmente um despertar, sugerindo que era sonho tudo o que veio antes dele, mas com Buñuel, nenhum desses padrões pode ser considerado, e o filme adquire imenso fascínio sob a luz dessa dicotomia.

“A Bela da Tarde” é o cinema vívido e pleno, sem a necessidade de manuais.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Fome de Viver

Vampiros nunca saíram e jamais sairão de moda. Seu apelo junto à cultura pop é tão sedutor que não conseguem ser arruinados nem por repaginações de gosto duvidoso como a série “Crepúsculo”. Nos anos 1980, as mais famosas contribuições aos chupadores de sangue no cinema provavelmente foram “A Hora do Espanto” e este “Fome de Viver”.
Catherine Deneuve é Miriam Blaylock uma vampira que singra as ruas de Nova York em busca de sangue. Não apenas sangue, ela precisa também de uma espécie de companheiro, junto do qual o peso dos séculos que transcorrem se torna suportável. Esse companheiro até outro dia era David Bowie, ou melhor, John. Mas a juventude que até então se achava estampada em seu rosto –preservada noite após noite com o sangue de suas vítimas –começa a desvanecer: Todos os anos vividos parecem de repente querer cobrar seu preço, fazendo-o envelhecer subitamente. 
Com medo, ele procura por uma médica especializada em uma doença degenerativa (Suzan Sarandon) e tudo o que consegue é torná-la sucessora de seu lugar ao lado de Miriam, como amante. 
O tratamento que o diretor Tony Scott dá ao gênero e à figura do vampiro em si transborda elegância neste filme muitas vezes frio, mas paradoxalmente carregado de voltagem erótica, não à toa, uma de suas cenas mais lembradas é o interlúdio sexual de Suzan Sarandon e Catherine Deneuve.
Responsáveis por essa atmosfera desigual, carregada de inusitada natureza, são as escolhas que o falecido diretor Scott (à época, estreando no cinema) fez -todas inesperadas para um estreante: O elenco de presenças incomuns como Deneuve e Bowie. O tratamento formal, com estilizado uso de luz. E a trilha sonora onde se destaca a cena inicial ao som de Bela Lugosi's Death.
Com Bowie presente não dava mesmo para errar nesse quesito.