A primeira (e até então única) ocasião em que a Pixar resolveu contar uma história de amor, foi em “Wall-E”. É curioso notarmos que um gênero tão comum nas animações tradicionais dos Estúdios Disney –o romance –havia sido tão pouco explorado (evitado até) por sua outra produtora. Agora, a Pixar torna a versar sobre os caminhos tortuosos do amor neste “Elementos” que difere um pouco do que foi feito em “Wall-E”.
Em primeiro lugar, ao contrário de “Wall-E”, em
“Elementos” quem assume o protagonismo é a parte feminina do casal central. E
em segundo lugar, estão em pauta, na premissa que rege sua narrativa, as
predisposições que impedem que os dois personagens principais componham um
casal –lá estão os motivos que os separam, muito mais que aqueles que os unem.
Imediatamente, podemos supor, com larga chance de acerto, que é “Romeu &
Julieta”, de Shakespeare, a grande pedra fundamental na qual este filme se
apóia.
Num mundo fantasioso habitado por elementos
vivos –o qual os artesões da Pixar têm imenso critério e carinho para conceber
–existem os seres constituídos de água, os de madeira, os de ar e os de fogo.
São os feitos de fogo, justamente pelo perigo incandescente de seu contato, os
mais perigosos e, logo, aqueles vítima de certa discriminação. Chegados como
imigrantes à Elemental City (a metrópole que, à maneira desigual desse mundo
curioso tenta abarcar todas essas espécies), Brasa e Fagulha são seres de fogo
e, no preconceito que experimentam, Brasa encontra um combustível para sua
obstinação: Empreendedor, ele haverá de, nos anos seguintes, montar um negócio
(um loja de doces) voltado exclusivamente para seus semelhantes tão
discriminados. Esse sonho, Brasa cultiva com a própria filha, Faísca, que ao
crescer reúne qualidades que a fazem a óbvia sucessora do pai em seu negócio.
Entretanto, seu destino toma novos rumos
exatamente na véspera da decisão definitiva de seu pai deixar-lhe a loja nas
mãos: Um cano estourado traz até as dependências do estabelecimento, o errático
Gota, um ser feito de água como os muitos que habitam a região central da
cidade, longe do subúrbio onde Faísca e os seus vivem.
Medroso, burocrata e evasivo, Gota é o retrato
de uma geração nascida e crescida em meio à privilégios. Ainda assim, a medida
que seu convívio com Faísca se torna necessário –os dois são instruídos a
descobrirem juntos a origem da pressão excessiva nos encanamentos, do
contrário, a loja da família de Faísca será fechada –Gota vai revelando a ela
(e ao público) qualidades inesperadas como cavalheirismo, cumplicidade e empatia.
Para além da ilustração mais óbvia possível de
um romance proibido (uma menina feita de fogo e um jovem feito de água!), esta
obra cheia de propriedade da Pixar não apenas equilibra maravilhosamente bem as
facetas dramáticas (na seriedade das suas emoções; e na candura de seu romance)
e as cômicas (o retrato rico em minúcias visuais de um mundo imaginado que
funciona dentro de uma lógica interna), como também vale-se da concepção de
seus personagens para uma interessante avaliação de índoles que, apesar dos
pesares, nunca soa simplista: Faísca é, como se poderia imaginar, explosiva e
temperamental, qual o fogo que representa; e Gota, emotivo, transparente e
adaptável, tal e qual o elemento de onde se origina –esses subterfúgios deixam
sua obviedade de lado quanto atendem aos propósitos bastante em voga nos meios
de comunicação de uma releitura do romance moderno, onde a mulher responde pela
metade mais proativa do casal.
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