terça-feira, 19 de setembro de 2023

Elementos


 A primeira (e até então única) ocasião em que a Pixar resolveu contar uma história de amor, foi em “Wall-E”. É curioso notarmos que um gênero tão comum nas animações tradicionais dos Estúdios Disney –o romance –havia sido tão pouco explorado (evitado até) por sua outra produtora. Agora, a Pixar torna a versar sobre os caminhos tortuosos do amor neste “Elementos” que difere um pouco do que foi feito em “Wall-E”.

Em primeiro lugar, ao contrário de “Wall-E”, em “Elementos” quem assume o protagonismo é a parte feminina do casal central. E em segundo lugar, estão em pauta, na premissa que rege sua narrativa, as predisposições que impedem que os dois personagens principais componham um casal –lá estão os motivos que os separam, muito mais que aqueles que os unem. Imediatamente, podemos supor, com larga chance de acerto, que é “Romeu & Julieta”, de Shakespeare, a grande pedra fundamental na qual este filme se apóia.

Num mundo fantasioso habitado por elementos vivos –o qual os artesões da Pixar têm imenso critério e carinho para conceber –existem os seres constituídos de água, os de madeira, os de ar e os de fogo. São os feitos de fogo, justamente pelo perigo incandescente de seu contato, os mais perigosos e, logo, aqueles vítima de certa discriminação. Chegados como imigrantes à Elemental City (a metrópole que, à maneira desigual desse mundo curioso tenta abarcar todas essas espécies), Brasa e Fagulha são seres de fogo e, no preconceito que experimentam, Brasa encontra um combustível para sua obstinação: Empreendedor, ele haverá de, nos anos seguintes, montar um negócio (um loja de doces) voltado exclusivamente para seus semelhantes tão discriminados. Esse sonho, Brasa cultiva com a própria filha, Faísca, que ao crescer reúne qualidades que a fazem a óbvia sucessora do pai em seu negócio.

Entretanto, seu destino toma novos rumos exatamente na véspera da decisão definitiva de seu pai deixar-lhe a loja nas mãos: Um cano estourado traz até as dependências do estabelecimento, o errático Gota, um ser feito de água como os muitos que habitam a região central da cidade, longe do subúrbio onde Faísca e os seus vivem.

Medroso, burocrata e evasivo, Gota é o retrato de uma geração nascida e crescida em meio à privilégios. Ainda assim, a medida que seu convívio com Faísca se torna necessário –os dois são instruídos a descobrirem juntos a origem da pressão excessiva nos encanamentos, do contrário, a loja da família de Faísca será fechada –Gota vai revelando a ela (e ao público) qualidades inesperadas como cavalheirismo, cumplicidade e empatia.

Para além da ilustração mais óbvia possível de um romance proibido (uma menina feita de fogo e um jovem feito de água!), esta obra cheia de propriedade da Pixar não apenas equilibra maravilhosamente bem as facetas dramáticas (na seriedade das suas emoções; e na candura de seu romance) e as cômicas (o retrato rico em minúcias visuais de um mundo imaginado que funciona dentro de uma lógica interna), como também vale-se da concepção de seus personagens para uma interessante avaliação de índoles que, apesar dos pesares, nunca soa simplista: Faísca é, como se poderia imaginar, explosiva e temperamental, qual o fogo que representa; e Gota, emotivo, transparente e adaptável, tal e qual o elemento de onde se origina –esses subterfúgios deixam sua obviedade de lado quanto atendem aos propósitos bastante em voga nos meios de comunicação de uma releitura do romance moderno, onde a mulher responde pela metade mais proativa do casal.

Situado num meio-termo entre a genialidade inconteste (caso dos brilhantes “Up-Altas Aventuras”, “Toy Story 3”, “Divertida Mente” e “Viva-A Vida É Uma Festa”) e a incapacidade para chegar lá (como o mediano “O Bom Dinossauro” ou a Trilogia “Carros”), “Elementos” é uma obra agradável, simpática e cheia de boas intenções ao refletir com descontração, inspiração e nenhum pedantismo alguns temas de intolerância e choque geracional do mundo de hoje, transfigurados numa contagiante animação para o entendimento das crianças pequenas.

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