terça-feira, 16 de abril de 2024

Morte No Nilo


 Não deixa de ser admirável que, entre franquias milionárias de superheróis que dão certo ou não, e criações mirabolantes e fantasiosas afins, o diretor e astro Kenneth Branagh tenha sido capaz de emplacar, nesses tempos atuais de pirotecnia, uma espécie de franquia focada na astúcia do roteiro, na excelência das interpretações e no amparo de adaptações literárias de obras da autora Agatha Christie que estão por aí desde muito tempo. Tudo começou com a versão repaginada, remodelada e modernizada (isso em termos de virtuosismo narrativo) de “Assassinato No Expresso do Oriente”, prosseguindo com este “Morte No Nilo” que dá uma continuidade sutil àqueles eventos.

A verdade é que “Morte No Nilo”, o livro de Agatha Christie, já havia sido outrora adaptado para cinema; numa produção de 1978 estrelada por Peter Ustinov (em substituição à Albert Finney, que viveu Hercule Poirot na primeira versão de “Assassinato No Expresso Oriente”) e dirigida por John Guilhermin. Carente de recursos, de fôlego limitado e dirigido sem maiores inspirações, era um filme mediano que pouco conseguia evidenciar qualquer brilhantismo que o texto literário por ventura pudesse ter –e apesar disso tudo, ainda rendeu uma continuação, “Assassinato Num Dia de Sol”, de 1982, também estrelada por Ustinov.

Este novo “Morte No Nilo” começa numa cena em preto & branco, durante a Primeira Guerra Mundial, onde a narrativa trata de explicar a origem... do bigodão de Hercule Poirot (!), então um jovem soldado almejando ser fazendeiro, mas dotado de genial mente dedutiva. Salta para o ano de 1937 e o agora renomado detetive Hercule Poirot, após o que parece ser a solução de um caso em pleno Egito, busca dar continuidade às suas férias. Todavia, os contratempos não cessarão: Logo, ele reencontra o amigo Bouc (Tom Bateman), o mesmo que lhe providenciara a carona no Expresso do Oriente no filme anterior.

Ao reencontrar Bouc, junto de sua intratável mãe (Annete Bening), Poirot reencontra também as circunstâncias que, mais uma vez, tornam a exigir dele sua apurada perspicácia detetivesca. Desta vez, a trama gira em torno de um casal em lua-de-mel que monopoliza as intrigas dos personagens: A ricaça Lynnete Ridgeway (Gal Gadot) e seu marido um tanto oportunista, Simon Doyle (Armie Hammer); sendo que eles foram apresentados, um ao outro, pela amiga de Lynnete, Jackie de Bellefort (Emma Mackey, de “Barbie”), então namorada de Simon.

Uma vez casados, Lynnete e Simon recolhem seus amigos e conhecidos no luxuoso cruzeiro Karnak, a fim de descer as águas do Nilo, entretanto, cada convidado tem uma razão para desejar o mal do casal: Seja o médico, Dr. Windlesham (Russell Brand), ainda apaixonado por Lynnete e visivelmente contrariado com o recente casamento dela; seja sua tia Marie Van Schuyler , cheia de segredos, inclusive aqueles envolvendo sua enfermeira e acompanhante Mrs. Bowers (Jennifer Saunders e Dawn French, criadoras da série britânica de comédia “French & Saunders”); ou o primo distante, o indiano Andrew Katchadorian (Ali Fazal), a empregada Louise Bourget (Rose Leslie), cheia de segundas intenções, e até mesmo a dupla contratada para animar a viagem, a cantora Salomé Otterbourne (Sophie Okonedo, de “Coisas Belas e Sujas”) e sua filha Rosalie (Letitia Wright, de “Pantera Negra-Wakanda Para Sempre”), esta por sua vez enamorada por Bouc; e ainda por cima, o aparecimento na embarcação da própria Jackie! Assim sendo, quando alguém aparece assassinado, sobram suspeitos para o detetive Poirot investigar, e as circunstâncias em que se deu o crime são de tal forma melindrosas e complexas que somente uma mente privilegiada como a dele é, de fato, capaz de encontrar um fio da meada e descobrir a verdade por trás de tudo.

A fórmula de “Morte No Nilo” segue a mesma de “Assassinato...”, um crime (aqui, levando um tempo mais considerável para se suceder) deflagra a investigação e todos os personagens, sem exceção, possuem segredos a ocultar uns dos outros, desafiando o intelecto à toda prova de Poirot, contudo, diferente da situação de confinação engendrada em “Assassinato...”, aqui a direção de fotografia de Haris Zambarioukos explora com avidez visual e entusiasmo técnico todas as possibilidades paisagísticas oferecidas por recursos de última geração e efeitos digitais que permitem transformar cada frame numa pintura.

Há também um teor trágico mais ressaltado neste trabalho do que no anterior, fruto de uma tentativa de aprofundamento maior no âmago psicológico do normalmente impassível Hercule Poirot, ainda assim, apesar da boa direção de atores exercida por Kenneth Branagh, do ritmo intenso (e, ao fim, bastante exaustivo) e do exorbitante visual de cartão postal que ele imprime do início ao fim, as várias facetas de “Morte No Nilo” não conseguem se harmonizar por completo, gerando um trabalho que, ao oscilar entre suas qualidades e seus lapsos, acaba soando como um entretenimento esquizofrênico.

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