terça-feira, 4 de junho de 2024

Sem Tom Nem Sonia


 Datado de 2004, “Sem Tom Nem Sonia” é uma obra oriunda do cinema mexicano o tempo todo à procura de um estilo, de uma identidade por meio da qual consiga expressar um cinema ávido em refletir modernidade, despojamento e relevância –e tamanha é essa carência da parte de seus realizadores que eles se auto-sabotam: O filme é um pouco Quentin Tarantino, um pouco Pedro Almodóvar, e até um pouco Won Kar-Wai (três das mais originais vozes a emergir no cenário mundial do cinema dos anos 1990), mas ao mesmo tempo não é nada disso. Tanta é a manutenção estilística de suas influências e tão preocupada a narrativa se mostra em evocar esses formatos que sequer há tempo para se notar o conteúdo: “Sem Tom Nem Sonia”, ainda que tenha obtido relativo sucesso quando exibido no México, termina assim como um filme que, ao querer ser intenso em diversos aspectos, consegue ser medíocre em todos eles.

Começando com uma anedota banal –cujo objetivo é apontar as ironias agridoces do relacionamento homem/mulher, a pauta que dominará todo o roteiro –o filme logo mergulha na vida amorosa, já em franca decadência, do jovem casal formado por Orlando (Juan Manuel Bernal) e Sonia (Mariana Gajá); ele, um diretor de dublagem ocupado com uma série investigativa chamada “Mistérios Inevitáveis”; ela, uma jovem adepta de alimentos macrobióticos, decidida a buscar sua paz interior. Há outro casal nas proximidades, também ele, em franca decadência em seu relacionamento, trata-se do hacker mal-humorado e anti-social Mauricio (José Maria Yazpik, de “Madame Teia”) e da reluzente René (Cecilia Suárez, de “Três Enterros”). Insatisfeita pela falta de uma rotina normal (ao lado de Mauricio, eles praticamente não saem do apartamento) René rompe com Mauricio e, por acaso, acaba cruzando-se com Orlando, farto dos métodos naturebas da namorada. Amigos do tempo escolar, René e Orlando têm um rápido affair enquanto ela se hospeda, por um dia ou dois, num quarto de um hotel.

O mesmo hotel que acomoda, nos dias que se seguem, a foragida Mama Rosa (Tara Parra, de “Memórias de Minhas Putas Tristes”), uma notória serial-killer que sempre captura a metade masculina de casais felizes que encontra pela rua, e vende as partes de suas vítimas para a máfia do tráfico de orgãos. No encalço de Mama Rosa –um dos temas de inúmeros episódios de “Mistérios Inevitáveis”, diga-se de passagem –estão, desde os EUA, os policiais John Miracle (Byron Thames, de “Sete Minutos No Paraíso”), este metódico e ponderado, e Mike (Blake Gibbons), este explosivo e irascível, para assessorá-los em sua permanência no México, são designados os policiais Cabo Rodriguez (Silvério Palacios, de “E Sua MãeTambém”) e Ariel (Donald Cortés), um sensitivo capaz de adivinhar onde se encontra o usuário de um objeto que segurar nas mãos –Ariel ainda acaba sendo também um namoradinho casual de Sonia quando ela e Orlando rompem.

Provavelmente o grande problema de “Sem Tom Nem Sonia” é que, ao eleger Orlando como fio condutor de toda essa narrativa abarrotada de personagens indo e vindo em constantes trajetórias entrecruzadas, o filme coloca o protagonismo nos ombros do personagem mais neurótico, apático e irritante de todos –e olha que ele tinha uma boa concorrência! Não há como o expectador comprar a situação na qual ele pula dos braços de uma mulher para outra, quando fica claro que a pessoa mais errada, egoísta e imatura é ele próprio.

Quando René volta para Mauricio –pois ele lhe propôs desculpas sinceras e ainda comprou um cachorrinho para fazer companhia ao peixinho dourado (!) –Orlando mergulha numa injustificada auto-piedade devido à rejeição pelo romance de 5 minutos (!) que engole tudo à sua volta: Seu trabalho –ele se torna absolutamente insuportável para todos os colegas dubladores com quem convive!; e seu relacionamento –pois, Sonia, já um tanto calejada pelo convívio com ele não tarda a compreender que está melhor bem longe desse mala-sem-alça.

O filme dirigido por Carlos Sama agrega uma narrativa urbana, cheia de deboche para com as peculiaridades da vida moderna, aliada a um olhar pouco realista dos relacionamentos amorosos para tecer uma costura modernosa entre tudo isso e uma pouco esclarecida trama criminal –todo o segmento a envolver Mama Rosa parece, em grande medida, ter sido deixado na sala de edição, tal é a falta de explicação, motivação e plausibilidade com que é arremessado na tela.

Certamente estava nos planos do roteiro de Luis Felipe Fabre e da direção de Sama atrelar um elemento de crime urbano que entrasse em conjugação com as ansiedades sentimentais como Won Kar-Wai fizera em “Amores Expressos”, e até usar esse emaranhado de personagens e sub-tramas para dali extrair um afresco suburbano pulsante e vívido como Tarantino fez em “Pulp Fiction”, ou até mesmo criar um obra cinematográfica que refletisse a relevância técnica, artística e cultural do cinema latino como tantas vezes o fizera Almodóvar, entretanto, o resultado de “Sem Tom Nem Sonia” passa tanto do ponto, ignora de tal maneira seus próprios equívocos que até mesmo o resultado final mediano de “Sem Notícias de Deus” –uma realização que, à sua maneira, almejava objetivos parecidos –acaba sendo muito melhor e mais aprazível que tudo o que vemos aqui.

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