Podendo ser considerado um derivado das tramas de “Homem-Aranha” –a personagem é uma coadjuvante relativamente recorrente em algumas histórias do aracnídeo nos quadrinhos, ainda que sua caracterização idosa diferencie da jovem mostrada aqui, e ainda que nunca fique exatamente claro à qual universo aracnídeo este filme pertence; se o de Andrew Garfield, se o atual, de Tom Holland, ou nenhum outro –“Madame Teia” é uma realização estranhamente curiosa. É um filme de super-heróis que não tem super-heróis e não fala sobre nenhum deles. É um filme cujos elementos já estão todos nos trailers que veicularam na internet alguns meses, e dos quais nem isso se apreende.
Muitos são os críticos de plantão
–especializados ou não –a apontar o estranho paradoxo que é “Madame Teia”; um
filme que não sabe sobre o que quer falar, e não fala sobre coisa alguma.
Poderia ser sobre sororidade –ou é essa, pelo
menos, sua mais forte impressão, na reunião involuntária de todo um grupo de
mulheres protagonistas em torno de um propósito meio incerto e inconstante
–mas, o retrato de suas heroínas (se é que essa definição lhes cabe) não honra
esse objetivo.
Poderia ser sobre a mitologia vasta que cerca o
Homem-Aranha (gancho que a formidável animação “Homem-Aranha No Aranhaverso” e
o longa-metragem “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa” provaram ser tão rentável
quanto promissor), uma vez que a própria personagem Madame Teia, nos
quadrinhos, é um ser dotado de poderes capazes de vislumbrar e gerenciar as
muitas variantes alternativas do
multiverso, mas, ele desperdiça essa oportunidade investindo numa trama
sobre lampejos do futuro e premonições que converte sua premissa numa insossa
caçada de gato e rato. Ou nem isso...
Vivida pela atriz Dakota Johnson, a personagem
principal, Cassandra Webb é uma paramédica de Nova York, em algum ponto do ano
de 2003 –a data para a ambientação da trama foi escolhida, após muita indecisão
dos produtores, para corresponder a um passado dos eventos supostamente
ocasionados nos filmes de Tom Holland, para então, esse planejamento ser
completamente descartado –acompanhada de seu grande amigo, Ben Parker (Adam
Scott) –personagem essencial à origem do Homem-Aranha, mas, cuja presença aqui
não é mais que um mero fan-service.
Num salvamento de rotina, Cassandra acaba dentro de um carro que acidentalmente
cai dentro do rio Hudson (!), o que a leva à ter o coração parado por alguns
minutos. Tal acidente faz com que Cassandra aparentemente acesse poderes
latentes que já deveriam existir dentro dela, desde os eventos ocorridos em seu
parto (mostrados num prólogo ligeiramente mambembe na Amazônia) quando sua mãe
faleceu. Tais poderes consistem, basicamente, de vislumbrar sem maior controle,
alguns lampejos do futuro e, a medida que vai se conscientizando disso, aprender
como alterá-lo para salvar vidas.
No mesmo prólogo amazonense (transcorrido em
meados de 1973), encontramos o vilão da trama, Ezekiel Sims (Tahar Rahim) que
encontra um espécime rara de aranha portadora de uma enzima capaz de
proporcionar vitalidade sobrehumana ao usuário. No mesmo período em que
Cassandra se descobre clarividente, o próprio Ezekiel surge agraciado com tais
aprimoramentos (o que faz dele uma espécie de Homem-Aranha do mal, com um
uniforme que parece um cosplay dos
mais vergonhosos) e mais, com um dom (um tanto quanto inexplicado) de
vislumbrar também ele o próprio futuro: Ezekiel sabe que, em algum momento do
futuro, será morto por três heroínas uniformizadas, todas com poderes
relacionados à aranhas. Seriam elas –à julgar, pelo menos, segundo a informação
disponível dos quadrinhos –as Mulheres-Aranha Julia Carpenter (a maravilhosa
Sydney Sweeney, aqui sem muitas oportunidades de revelar-se maravilhosa), Anya
Corazon (Isabela Merced, de “Transformers-O Último Cavaleiro”) e Mattie
Franklin (Celeste O’Connor, a mais irritante de todas) –e as cenas em que estão
caracterizadas como heroínas que, presume-se, todo o público alvo do filme
gostaria ver, correspondem às breves cenas vistas no trailer, ou seja, são
segundos de cena que não empolgam ninguém!
Enfim, prosseguindo: No presente atual, aquelas
três jovens, ainda adolescentes, não se tornaram as heroínas, e por isso o
plano de Ezekiel Sims; rastreá-las e matá-las, antes que ganhem os poderes que
levarão as três à matá-lo.
Nesse percurso, Cassandra Webb e suas
habilidades recém-descobertas surgem como o salvamento para as três garotas –as
personagens, portanto, aparecem neste filme, não como as personagens dos
quadrinhos como são conhecidas, mas como três adolescentes no mais preguiçoso,
redundante e clichê retrato adolescente que o cinema costuma fazer –e, dessa
forma, com o trio reunido sem muitas explicações (pois o roteiro, atropelado e
desanimado, não consegue elaborar circunstâncias mais plausíveis nas quais a
trama possa avançar), as quatro protagonistas passam o filme tentando escapar
de seus antagonista, até encontrar um meio de se livrar dele, e responder as
inúmeras perguntas sem respostas que pairam no ar.
Detalhe: Numa manobra que enfatiza a grande
incompreensão dos realizadores em relação ao público para o qual fizeram o
filme, TODAS essas respostas ‘misteriosas’ são de conhecimento dos expectadores
(só não são das protagonistas mesmo!), parte porque muitos já detém essas
informações vindas dos quadrinhos, parte porque o próprio filme, em sua
displicência, já as forneceu antes –isto é, o próprio suspense acerca de suas
motivações ou objetivos é algo que o filme não é capaz de manter.
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