sábado, 17 de fevereiro de 2024

Madame Teia


 Podendo ser considerado um derivado das tramas de “Homem-Aranha” –a personagem é uma coadjuvante relativamente recorrente em algumas histórias do aracnídeo nos quadrinhos, ainda que sua caracterização idosa diferencie da jovem mostrada aqui, e ainda que nunca fique exatamente claro à qual universo aracnídeo este filme pertence; se o de Andrew Garfield, se o atual, de Tom Holland, ou nenhum outro –“Madame Teia” é uma realização estranhamente curiosa. É um filme de super-heróis que não tem super-heróis e não fala sobre nenhum deles. É um filme cujos elementos já estão todos nos trailers que veicularam na internet alguns meses, e dos quais nem isso se apreende.

Muitos são os críticos de plantão –especializados ou não –a apontar o estranho paradoxo que é “Madame Teia”; um filme que não sabe sobre o que quer falar, e não fala sobre coisa alguma.

Poderia ser sobre sororidade –ou é essa, pelo menos, sua mais forte impressão, na reunião involuntária de todo um grupo de mulheres protagonistas em torno de um propósito meio incerto e inconstante –mas, o retrato de suas heroínas (se é que essa definição lhes cabe) não honra esse objetivo.

Poderia ser sobre a mitologia vasta que cerca o Homem-Aranha (gancho que a formidável animação “Homem-Aranha No Aranhaverso” e o longa-metragem “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa” provaram ser tão rentável quanto promissor), uma vez que a própria personagem Madame Teia, nos quadrinhos, é um ser dotado de poderes capazes de vislumbrar e gerenciar as muitas variantes alternativas do  multiverso, mas, ele desperdiça essa oportunidade investindo numa trama sobre lampejos do futuro e premonições que converte sua premissa numa insossa caçada de gato e rato. Ou nem isso...

Vivida pela atriz Dakota Johnson, a personagem principal, Cassandra Webb é uma paramédica de Nova York, em algum ponto do ano de 2003 –a data para a ambientação da trama foi escolhida, após muita indecisão dos produtores, para corresponder a um passado dos eventos supostamente ocasionados nos filmes de Tom Holland, para então, esse planejamento ser completamente descartado –acompanhada de seu grande amigo, Ben Parker (Adam Scott) –personagem essencial à origem do Homem-Aranha, mas, cuja presença aqui não é mais que um mero fan-service. Num salvamento de rotina, Cassandra acaba dentro de um carro que acidentalmente cai dentro do rio Hudson (!), o que a leva à ter o coração parado por alguns minutos. Tal acidente faz com que Cassandra aparentemente acesse poderes latentes que já deveriam existir dentro dela, desde os eventos ocorridos em seu parto (mostrados num prólogo ligeiramente mambembe na Amazônia) quando sua mãe faleceu. Tais poderes consistem, basicamente, de vislumbrar sem maior controle, alguns lampejos do futuro e, a medida que vai se conscientizando disso, aprender como alterá-lo para salvar vidas.

No mesmo prólogo amazonense (transcorrido em meados de 1973), encontramos o vilão da trama, Ezekiel Sims (Tahar Rahim) que encontra um espécime rara de aranha portadora de uma enzima capaz de proporcionar vitalidade sobrehumana ao usuário. No mesmo período em que Cassandra se descobre clarividente, o próprio Ezekiel surge agraciado com tais aprimoramentos (o que faz dele uma espécie de Homem-Aranha do mal, com um uniforme que parece um cosplay dos mais vergonhosos) e mais, com um dom (um tanto quanto inexplicado) de vislumbrar também ele o próprio futuro: Ezekiel sabe que, em algum momento do futuro, será morto por três heroínas uniformizadas, todas com poderes relacionados à aranhas. Seriam elas –à julgar, pelo menos, segundo a informação disponível dos quadrinhos –as Mulheres-Aranha Julia Carpenter (a maravilhosa Sydney Sweeney, aqui sem muitas oportunidades de revelar-se maravilhosa), Anya Corazon (Isabela Merced, de “Transformers-O Último Cavaleiro”) e Mattie Franklin (Celeste O’Connor, a mais irritante de todas) –e as cenas em que estão caracterizadas como heroínas que, presume-se, todo o público alvo do filme gostaria ver, correspondem às breves cenas vistas no trailer, ou seja, são segundos de cena que não empolgam ninguém!

Enfim, prosseguindo: No presente atual, aquelas três jovens, ainda adolescentes, não se tornaram as heroínas, e por isso o plano de Ezekiel Sims; rastreá-las e matá-las, antes que ganhem os poderes que levarão as três à matá-lo.

Nesse percurso, Cassandra Webb e suas habilidades recém-descobertas surgem como o salvamento para as três garotas –as personagens, portanto, aparecem neste filme, não como as personagens dos quadrinhos como são conhecidas, mas como três adolescentes no mais preguiçoso, redundante e clichê retrato adolescente que o cinema costuma fazer –e, dessa forma, com o trio reunido sem muitas explicações (pois o roteiro, atropelado e desanimado, não consegue elaborar circunstâncias mais plausíveis nas quais a trama possa avançar), as quatro protagonistas passam o filme tentando escapar de seus antagonista, até encontrar um meio de se livrar dele, e responder as inúmeras perguntas sem respostas que pairam no ar.

Detalhe: Numa manobra que enfatiza a grande incompreensão dos realizadores em relação ao público para o qual fizeram o filme, TODAS essas respostas ‘misteriosas’ são de conhecimento dos expectadores (só não são das protagonistas mesmo!), parte porque muitos já detém essas informações vindas dos quadrinhos, parte porque o próprio filme, em sua displicência, já as forneceu antes –isto é, o próprio suspense acerca de suas motivações ou objetivos é algo que o filme não é capaz de manter.

Roteirizado pela mesma equipe que perpetrou o mal-fadado “Morbius” –também ele uma aberração derivada de um coadjuvante dos quadrinhos do Aranha –e, por aí já se percebe a predisposição para a catástrofe que este filme já tinha, “Madame Teia” é dirigido por S.J. Clarkson (de quem dificilmente ouviremos falar novamente...) com tamanho equívoco em suas intenções que é desafiador tentar entender como tantas ideias estapafúrdias conseguiram chegar no produto final, e ao mesmo tempo, tantas possibilidades instigantes (todas elas disponíveis em mais de quarenta anos de histórias em quadrinhos que poderiam ser aproveitadas) acabaram sendo desperdiçadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário